Resenha: livro "O canto das sereias", Val McDermid

 Olá, pessoal, como estão? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com o livro "O canto das sereias", escrito pela Val McDermid e publicado em 2014 pela Bertrand Brasil (Editora Record).



 "Em algum lugar no padrão daqueles crimes existia um caminho labiríntico que ia direto ao coração do homicida. De alguma forma, Tony precisava seguir por aquele trajeto com cuidado, para evitar se perder na ardilosa vegetação rasteira."

 Na cidade inglesa de Bradfield, quatro homens foram encontrados mortos em datas diferentes, mas todos os corpos eram de jovens entre 25 e 30 anos, apresentavam sinais de tortura e foram deixados em lugares normalmente frequentados por gays. Com todas essas coincidências, a polícia local não tinha mais como negar que os casos estivessem ligados e que havia um serial killer à solta em Bradfield.

 A comunidade gay estava com medo, a imprensa pressionava, mas as investigações não estavam dando resultado. Com isso, John Brandon, o chefe de polícia assistente da Polícia Metropolitana de Bradfield, decidiu pedir a ajuda do psicólogo Tony Hill, que trabalhava no Ministério do Interior.

 Após anos trabalhando com criminosos detidos em hospitais psiquiátricos, Tony estava num projeto que visava traçar perfis criminais que apontassem, para a polícia, quais características deviam ser observadas para diminuir a lista de suspeitos de determinados crimes. Brandon queria que Tony Hill traçasse o perfil do serial killer de Bradfield.

 A detetive-inspetora Carol Jordan foi designada para auxiliar Tony e ser uma ponte entre o psicólogo e a polícia. Será que Tony poderá ajudar no caso? Quem está cometendo os crimes e por qual motivo?



 "O canto das sereias" é o primeiro de uma série onde acompanharemos Carol Jordan e Tony Hill em investigações. Em 2017, eu havia lido e amado o segundo livro, "Rastros de Sangue", então aproveitei que "O canto das sereias" está disponível no Kindle Unlimited para ler esse mês. E, mais uma vez, fui totalmente fisgada pelo enredo criado por Val McDermid!

 O que mais gosto nos livros da autora, é como ela nos coloca dentro da investigação. Acompanhamos passo a passo, tudo o que a polícia está fazendo, e é incrível como os investigadores se dedicam a todas as pistas possíveis na história.

 "Quando Carol abriu a porta, ela ficou surpresa ao encontrar Tony no meio da sala, suspendendo uma pedra na mão.
 — Sou eu — soltou um grito com a voz esganiçada.
 Os braços de Tony desceram para junto ao corpo.
 — Ai, merda — disse ele.
 Carol sorriu.
 — Quem você estava esperando? Assaltantes? Jornalistas? O bicho-papão?
Tony relaxou.
 — Desculpe — disse ele. — A gente passa o dia inteiro tentando entrar na cabeça de um sujeito pirado e acaba ficando tão paranoico quanto ele."

 E, mesmo com esse foco na investigação, a autora também consegue tornar os personagens interessantes aos nossos olhos. É possível gostar da Carol e do Tony (e também dos secundários), compreender seus dilemas e dificuldades.

 "O canto das sereias" foi publicado pela primeira vez nos anos noventa, mas nem por isso passa a impressão de ser um livro datado, ele continua sendo interessante nos dias de hoje, mesmo com tecnologias diferentes disponíveis na época.

 Dosando bem investigação e personagens, a autora conseguiu me envolver na leitura desde o início, e sempre que eu precisava parar a leitura por algum motivo, continuava pensando na história, curiosa, querendo saber o que aconteceria no próximo capítulo. O desfecho do caso, a revelação do culpado, foi algo que me surpreendeu muito.

 Foi um livro que eu amei e super recomendo, tanto esse primeiro quanto o segundo (onde a Carol e o Tony vão investigar o desaparecimento de garotas). Se você gosta de thrillers, de romances policiais, de histórias sobre serial killers, precisa ler "O canto das sereias"! Mas destaco que, como o criminoso usa técnicas de tortura inspiradas na Inquisição, há algumas cenas e descrições fortes.

 A edição do e-book conta com detalhes de sereias no início dos capítulos, fonte diferente em algumas partes, boa revisão e diagramação.

 Detalhes: 490 páginas, Skoob, tradução: Michel Marques, clique aqui e leia a resenha de Rastros de Sangue. Curiosidade: o livro inspirou a série Wire In The Blood. Clique para comprar na Amazon ou pegar no Kindle Unlimited:


 Por hoje é só, fico na torcida para que tenham gostado da resenha e deem uma chance ao livro, e que a editora traga mais livros da série, mesmo eles podendo ser lidos individualmente.

Até o próximo post!

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Resenha: livro "O peso do pássaro morto", Aline Bei

 Olá, pessoal, como estão? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com o livro "O peso do pássaro morto", escrito pela Aline Bei e publicado em 2017 pela Editora Nós.


"isso é tudo
menos coisa de criança.
isso
é o lugar onde nasce
a dor.
isso é
tudo o que destrói a possibilidade de um mundo um pouco menos cruel
com os mais fortes abusando dos
mais fracos"

 Na obra, acompanharemos a vida da narradora aos 8, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos. E será uma vida de muitas tristezas e perdas.

 Muito cedo, a personagem conhecerá a morte de alguém querido. No final da adolescência, será vítima de uma violência terrível que deixará consequências. Na fase adulta, colocará os sonhos de lado para estar num trabalho necessário financeiramente, mas que lhe mantém longe da família; e assim, a vida passará.

"perguntei pra minha mãe:
– o que é morrer?
ela estava fritando bife pro almoço.
– o bife
é morrer, porque morrer é não poder mais escolher o que farão com a sua carne.
quando estamos vivos, muitas vezes também não escolhemos.
mas tentamos."

 Por ter lido e amado outro livro da editora, decidi pegar o e-book de "O peso do pássaro morto" no Kindle Unlimited, já que o número de páginas era pequeno e poderia ser uma leitura rápida, além de ser um título que já vi outros leitores recomendando e comentando ser uma leitura emocionante.

 Realmente, foi uma leitura rápida, feita em questão de poucas horas. Na ficha catalográfica, a obra é classificada como romance, mas já vi "O peso do pássaro morto" sendo chamado de poema narrativo, visto que é escrito em formato semelhante a versos. Esse formato me causou certa estranheza num primeiro momento, acho que a experiência poderia ter sido melhor se eu tivesse lido o livro físico, pelo fato de o Kindle ter uma diagramação variável, onde o leitor pode mudar o tamanho das letras e, consequentemente, o número de palavras por linha.

 Uma cena do Chefe da protagonista me marcou especialmente, me mostrando como não sabemos quem realmente sentirá a nossa falta quando não estivermos mais aqui.

 Não cheguei a me emocionar tanto quanto outros leitores, mas é uma leitura que recomendo. Acho que a autora conseguiu mostrar bem as diferenças em cada idade da personagem, desde a ingenuidade infantil até o declínio dos últimos dias. As dores da protagonista são conhecidas de grande parte da população, sendo provável que o leitor se identifique em algum momento.

"o trabalho é
por tantas vezes
a maior tristeza da vida de uma pessoa e é só nisso
que certos pais pensam, no filho
crescendo e sendo alguém sendo que esse ser alguém envolve tudo menos Ser."

 Ressalto que é a história de uma vida marcada por perdas e violências, inclusive violência sexual, o que pode ser um gatilho para alguns leitores, mas é, infelizmente, um retrato da realidade que alguns preferem ignorar.

 Mais algumas citações:

"quando eu
ainda era amiga do seu
luís,
benzendo da gripe ele me contou que Carta era um ótimo jeito de dizer que se amava alguém porque às vezes falando a pessoa não entende nada ou escuta pouco pensando em
outras coisas."

"vou conversar com seu pai pra gente casar. eu não tenho dinheiro como ele gostaria mas tenho um peito que dentro só cabe
teu nome
e medo nenhum quando penso em você."

"tenho amigos que não morreram
mas é como se eles
tivessem morrido, ninguém se fala
apesar de ser possível."

"estava odiando não conseguir parar de chorar como tudo,
também não quero lembrar e de repente
já estou lembrando"

"– não me importo – eu disse pra ele – que seja breve o nosso encontro.
porque no tempo da minha
memória
somos pra sempre. não existe morrer dentro, é como uma canção.
as canções não morrem nunca porque elas moram dentro das pessoas que gostam delas."

"e desde que estamos juntos, parece que alguém acelerou os relógios do mundo, penso que isso é Amor."

 Detalhes: 153 páginas (e-book), ISBN-13: 9788569020233, Skoob, clique e compre na Amazon:


 Me contem: já conheciam ou já leram esse livro?

Até o próximo post!

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Resenha: "Você é a ordem", D'Aumon

 Olá, pessoal, como estão? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com "Você é a ordem", conto escrito pelo Hugo Dalmon e publicado em 2020.


 "Desde a segunda década dos anos 2000, um movimento peculiar tomou a internet, redes sociais de opinião se tornaram lugares para um julgamento sem ciência"

 A história se passa na década de 2030. Para diminuir a pilha de casos parados na justiça, ao invés de um longo processo e do julgamento, pessoas que cometeram crimes participariam de um reality show chamado "Você é a ordem". Nesse reality, através da votação na rede social Noise, o público decidiria quem poderia ficar em liberdade e quem iria direto para a prisão, sem direito a advogado nem nada.

 "A grande sacada da tríplice aliança foi transformar a Justiça em Entretenimento!"

 Aos 30 anos, Carmen era uma ilustradora e influenciadora digital, que sempre comentava o "Você é a ordem" e tinha muitos seguidores no Noise. Mas Carmen cometeu um crime: embriagada, ela roubou uma garrafa de bebida, e teria que participar do programa.

 Carmen acreditava que, ao fim dos 7 dias de confinamento com os outros 2 participantes no quarto do "Você é a ordem", ela seria libertada pelo público e retomaria sua vida, afinal, seu delito foi pequeno comparado com o dos concorrentes. Mas, nesse reality show, o que importava era como o público via cada participante.

 Ao final da semana, Carmen teria sua liberdade de volta?

 "No sétimo dia, o público decidia quem iria para a cadeia e quem merecia a liberdade. Bem assim, sem liberdade condicional, sem serviço comunitário, sem advogados criminalistas, sem juízes, sem sabedoria, sem humanidade..."

 Essa é a quinta história que leio do autor e, mais uma vez, ele me surpreendeu positivamente. Em poucas páginas, somos apresentados a essa nova realidade, onde a pessoa não é punida de acordo com o tamanho do seu erro, mas sim pela impressão que os telespectadores tem dela dentro do confinamento, impressão que pode ser influenciada pelos demais usuários do Noise.

 A última edição do Big Brother Brasil acabou recentemente, e mesmo quem não assistiu, certamente viu comentários sobre ele nas redes sociais, então sabemos do alcance de um programa do tipo. Mas, se no BBB, os participantes eliminados (mesmo os com altos índices de rejeição), podem continuar suas vidas com certa normalidade após o confinamento, no "VEO", vocês não tem a dimensão do que significa perder!

 Só adianto que eu terminei a leitura muito chocada com essa realidade onde a justiça virou entretenimento, onde seu destino pode ser definido pelas redes sociais. Se bem que, em certo nível, quantas vidas já são julgadas e determinadas pelas redes sociais atualmente?

 Gostei muito e recomendo. Venham conhecer a história da Carmen, o conto está disponível em e-book no Kindle Unlimited na Amazon.



 Me contem: o que acharam da premissa? Já conheciam o autor?

Até o próximo post!

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Resenha: livro "Beleza Perdida", Amy Harmon

 Olá, pessoal, como estão? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com o livro "Beleza Perdida", escrito pela Amy Harmon e publicado no Brasil pela Verus Editora em 2015.

 "Talvez os milagres que vemos sejam apenas a ponta do iceberg."

 Fern Taylor era prima de Bailey, o filho do treinador Sheen. Ela não acompanhava o primo aos treinos de luta livre apenas para ajudá-lo com sua cadeira de rodas. Fern ia para ver Ambrose Young, o mais talentoso da equipe e o garoto de quem ela gostava. Mas Ambrose era lindo, o garoto popular da escola, enquanto Fern chegava a ser considerada feia em comparação com as outras garotas, ela achava que ele nunca olharia para ela.

 Depois da escola, todos pensavam que Ambrose iria para a faculdade e se tornaria um atleta famoso, porém, depois dos atentados terroristas às Torres Gêmeas em 2001, Ambrose tinha outros planos, planos que marcariam para sempre a pequena cidade de Hannah Lake na Pensilvânia.

 "A morte se tornou muito real e, na classe do último ano na Escola de Hannah Lake, havia ressentimento misturado com o medo. Era o último ano! Era para ser a melhor fase da vida. Eles não queriam ter medo."

 "Senti como se a cidade inteira dependesse de mim e, se eu pisasse na bola ou não me desse bem na Universidade da Pensilvânia, eu deixaria todo mundo decepcionado. Gostei da ideia de ser um tipo diferente de herói."

 Cerca de três anos depois, Ambrose estava de volta à cidade, mas as situações estavam mudadas: ele não poderia mais ser considerado bonito, já Fern havia ficado linda com o passar dos anos. Mas "Beleza Perdida" é muito mais que um romance onde o patinho feio se revela um belo cisne. O livro fala sobre temas que vão bem além da aparência.

 "Beleza Perdida" estava nos meus desejados fazia tempo, por ser um romance que eu sempre via sendo elogiado, além do fato de eu gostar de histórias que tenham um toque de "A Bela e a Fera", então, aproveitei que o e-book estava disponível no Kindle Unlimited para ler.

 Assim que comecei a leitura, já percebi o quanto a escrita da Amy Harmon era agradável, ela consegue escrever de uma maneira fluida e envolvente, enquanto vai nos mostrando a vida dos personagens desde a infância até a idade adulta.

 "Bailey e Fern estavam se divertindo para valer, rindo e ouvindo atentamente. Ambrose ficava maravilhado com a inocência deles e como apreciavam as menores coisas."

 Falando dos personagens, não são apenas Fern e Ambrose que tem destaque, vários outros tem tramas paralelas que se interligam à principal. Bailey foi um dos meus personagens favoritos; ele precisava da cadeira de rodas por causa da distrofia muscular de Duchenne; seu senso de humor, a forma como lidava com sua doença e com suas limitações, e sua relação de amizade com Fern foram algumas das coisas que mais gostei na história, e confesso que desejei muito que o desfecho dele fosse diferente. Temos ainda os dilemas de Rita, melhor amiga de Fern, embora elas fossem totalmente diferentes na aparência, e Elliott Young, pai adotivo de Ambrose, outro personagem interessante.

 "- (...) É uma ironia, não é? A Fern não achava que era boa o suficiente pra você naquela época, e você não acha que é bom o suficiente pra ela agora. E os dois estão errados... e é tão idiota! Idioootaaa! - Bailey arrastou a palavra com desgosto."

 "Você age como se beleza fosse a única coisa que faz as pessoas serem dignas de amor"

 Confesso também que me irritei um pouquinho com o fato de Fern e Ambrose, em diferentes momentos, não se sentirem bonitos o suficiente um para o outro, mas foi só um pouquinho mesmo e não tirou a graça da história (apesar de ter contribuído para eu dar 4 ao invés de 5 estrelas em minha avaliação). Por ser um romance com personagens mais jovens, é compreensível essa preocupação com a aparência.

 A Fern é filha de um pastor, e há algumas reflexões religiosas na história, mas creio que não incomodaria os leitores que não são cristãos. Ah, a Fern também é apaixonada por romances ao estilo romances de banca, e inclusive escreve seus próprios livros, é bem legal acompanhar uma personagem apaixonada pela leitura.

 "- (...)Você lê romances de sacanagem e cita a Bíblia. Não tenho certeza se consigo entender qual é a sua.
 - A Bíblia me conforta, e os romances me dão esperança.
 - Ah, é? Esperança de quê?
 - Esperança de fazer mais do que citar a Bíblia com Ambrose Young num futuro muito próximo. - Fern corou furiosamente e olhou para as mãos."

 "Beleza Perdida" foi uma história de que gostei muito. Acho que a autora acertou em tudo: sua escrita é envolvente; o enredo nos mantém presos para descobrir tudo sobre os personagens, que são bem construídos e têm dramas reais e marcantes; é possível sentir o clima de cidade pequena e se apaixonar pela luta livre. É um livro que recomendo, especialmente para quem procura um romance intenso (sem hot), que fala sobre superação e amizade, nos diverte e também emociona.

 Eu gosto da capa, da imagem, das fontes e cores. O e-book tem boa revisão e diagramação com detalhes nos títulos dos capítulos.

 "- Ele tem idade suficiente para saber o que é certo. Idade não é desculpa. Garotos de dezoito anos já são considerados com idade suficiente para lutar pelo país. Lutar e morrer pelo país. Um merdinha de vinte e cinco anos como o Becker não pode se esconder atrás dessa desculpa."

 "- (...) Por que coisas terríveis acontecem com pessoas tão boas? - perguntou Ambrose.
 - Porque coisas terríveis acontecem com todo mundo, Brosey. Ficamos tão voltados para os nossos próprios problemas que não vemos toda a merda em que as pessoas estão chafurdando."

 Detalhes: 485 páginas (no e-book, o físico tem 336), ISBN-13: 9788576863748, Skoob, tradução: Monique D'Orazio. Se você gostou de livros como "Dias de Despedida", "Em Pedaços" e "Querido John", pode gostar de "Beleza Perdida" também. Clique para comprar ou pegar no Kindle Unlimited na Amazon:


 Me contem: já leram ou querem ler esse livro?

Até o próximo post!

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Leituras e recebidos de março e abril

 Olá, pessoal! Hoje, venho mostrar o que chegou e o que li nos dois últimos meses. Apertem o play para conferir no vídeo, ou continuem lendo:

Resenha: livro "Se deus me chamar não vou", Mariana Salomão Carrara

 Olá, pessoal? Como estão? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com o livro "Se deus me chamar não vou", da Mariana Salomão Carrara, publicado pela Editora Nos em 2019.

 "Sabe, Homem-aranha, eu preferia fazer a carta para o Super-homem, porque ele é imortal e eu queria perguntar pra ele como é isso de saber que nunca vai morrer, eu preferia esse poder, de nunca morrer, além de voar, mas a professora me sorteou você, e tudo bem, as teias são ótimas."

 Tudo começa quando Maria Carmem, uma garota de 11 anos, precisa escrever uma redação para um super-herói na escola. Ela queria escrever para o Super-Homem, mas o sorteio da professora acaba determinando que ela escreva para o Homem Aranha. E Maria Carmem faz um trabalho excelente, tanto que a professora lhe diz que ela pode ser escritora quando crescer, mas que precisa praticar, e a garota começa a escrever um livro sobre sua vida.

 "Ficamos dizendo o tempo todo palavras que não são as melhores, as melhores vêm só depois. Por isso que vai ser legal quando eu for escritora, dá tempo de selecionar as palavras."

 Acho que foi no Instagram que vi uma resenha de "Se deus me chamar não vou", e o título chamou minha atenção o suficiente para que eu pegasse o e-book no Kindle Unlimited. Ao ler as primeiras páginas, pensei que seria a leitura ideal para me distrair nesse momento difícil que enfrentamos por causa da pandemia, pois os comentários de Maria Carmem são divertidíssimos. A garota acredita que "tudo na vida é produzido pela prefeitura", uma espécie de lugar mágico que pode resolver todos os problemas. Maria Carmem é criativa e tenta ajudar os pais a melhorar a "loja de velhos" da família, uma loja que vende produtos para facilitar a vida de idosos ou doentes. Maria Carmem também é curiosa e cheia de dúvidas sobre o mundo adulto.

 "Quem paga esse homem? Se eu pudesse chutar diria que é a prefeitura, mas eu chutaria prefeitura para tudo. Ou, ainda, quando meus pais chamam em casa um homem pra consertar alguma coisa, e dão muito pouco dinheiro, é evidente que aquele homem não estudou, e então quem ensina um adulto que não estudou a fazer algo que é tão difícil que dois adultos que estudaram não conseguem fazer? A prefeitura também?"

 "os adultos são cheios de arrependimentos e ficam achando que a gente vai ser também."

 Mas, com o passar das páginas, vemos um outro lado de Maria Carmem, além dos comentários bem humorados e criativos. Todos dizem que ela "tem muito tamanho", por ser gorda e mais alta que as demais crianças da sua idade, sua aparência se torna um problema. Maria Carmem não tem amigos na escola e acaba sendo vítima de bullying. Seu relacionamento familiar também tem seus percalços. Tudo isso torna ainda mais difícil ter 11 anos, essa idade entre a infância e a adolescência, abrindo caminho para a tristeza e o sentimento de não ser amada nem valorizada.

 "Adultos se divertem. Crianças se divertem. Eu não sei se estou exatamente na idade em que ninguém faz nada de bom, ou se isso de diversão simplesmente acabou pra mim."

 "A porta do meu quarto não tem chave, o que deve fazer parte dessa maravilha que é ter 11 anos."

 "Onze anos é a pior idade do universo, dura pelo menos cinco anos."

 "e diziam outras coisas que eu não entendia, coisas que certamente só podiam ter sido ditas pelo pai deles porque eles não iam saber dizer sozinhos" (sobre os colegas de escola)

 A Maria Carmem me lembrou um pouco o Charlie de "As vantagens de ser invisível", meu livro favorito, mas a Maria Clara infelizmente não encontrou amigos como a Sam e o Patrick, que lhe mostrassem como a vida pode ser boa quando se tem companhia, além do fato de a Maria Carmem não conseguir passar tão despercebida quanto o Charlie, por causa da aparência dela.

 "Se deus me chamar não vou" é um livro divertido e triste ao mesmo tempo, que nos faz rir e, no parágrafo seguinte, querer chorar pela solidão e o sofrimento da personagem. A autora conseguiu encontrar o tom certo para escrever como uma menina de onze anos, com a ingenuidade de uma criança, mas também com a dor que só quem tem pensamentos suicidas pode entender.

 "Acho que existem crianças mais solitárias que os velhos."

 "porque as coisas boas continuam existindo, elas sempre existem."

 Certamente não esquecerei tão cedo a garota tão especial que encontrei nesse livro, nem o Leo com seus questionários (vocês vão conhecê-lo se lerem a história). "Se deus me chamar não vou" é meu primeiro livro favorito do ano, terei que devolver o e-book mas quero comprá-lo ou comprar o livro físico, para poder reler e grifar as muitas citações de que gostei.

 Com apenas 114 páginas, pode ser uma leitura rápida, mas muito marcante. Fica a minha recomendação de leitura, mas preparem-se, pois a história pode tocá-los muito.

 Sobre a edição, a capa é simples, não encontrei erros de revisão ou problemas na diagramação do e-book.





 Mais algumas citações:

 "Acho que meus pais começaram esse ano muito frustrados, minha mãe me explicou que é culpa dos Planos. Disse que os Planos são uns moços muito bonitos que ficam caminhando em volta da cabeça dos jovens e vão sumindo bem devagar, ninguém percebe, e a pessoa acorda um dia que nem minha mãe com muita saudade deles, mas não tem mais nada, os Planos todos desapareceram e ninguém sabe dizer exatamente quando."
 "Daí fico um tempo pensando que só tenho isso mesmo, tamanho. Muito tamanho. Era meu aniversário, no dia mais triste do ano, a loja quente, eu só tinha tamanho, não tínhamos garfo flexível com engrossador pro pai do cliente parado ali, e eu procurava uma posição na banqueta em que meus pés não alcançassem o chão, porque é assim que as coisas deviam ser na minha idade."
 "Eu fazia 11 anos e entendi que dali em diante só precisaria de mais e mais coisas, e que um dia alguém mais novo que eu teria de estudar e investigar e até inventar objetos que me ajudassem a continuar fazendo as coisinhas de sempre. E que a nossa loja era isso, era um cuidado, não era uma maldição que um dia causaria nossa ruína, nem um abuso nem uma extorsão do dinheiro de velhinhos. Eu precisava salvar a loja, ainda que fosse no dia mais triste do ano."
 "Talvez seja assim com os velhinhos também, como os capítulos. Ninguém precisa decidir que certa parte da vida acabou. O corpo sente sozinho que não dá mais pra andar sem ajuda de alguma coisa que vendem na loja de velhos, e então, naturalmente, alguém vai lá e compra, e começamos um novo capítulo da vida. Vai ver é assim, e nem assusta tanto."
 "Às vezes o cliente entra, e a gente fica toda atenta, achando que ele vai comprar um assento ortopédico e vai salvar o dia, e ele pergunta se tem CD de música para relaxamento, e logo sai. Ou olha a primeira estante e já desiste, deixa a gente angustiado com a porcaria da estante, o que deveria estar lá e não está. As pessoas tinham que aprender a não entrar desse jeito na vida dos outros."
 "eu não sei por que as pessoas não informam tudo de uma vez, deixam a gente ficar aprendendo de pouquinho e fazendo confusão."
 "Eu nunca tinha escutado alguém falar dessa forma, daí eu entendi que é por isso que a morte normalmente faz tanto barulho e escândalo, é deus gritando bem alto o nome da pessoa até ela obedecer. No caso do meu vizinho que ficou muito tempo morto sozinho é porque bastou um sussurro de deus e ele já foi."
 "Acho que vem daí a palavra solidão, pessoas tão sólidas que ninguém vem checar se estão ruindo."

 Por hoje é só, espero que tenham gostado do post. Me contem: já conheciam esse livro? Já favoritaram alguma leitura esse ano?

Até o próximo post!

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