Resenha: livro "Escolha o seu sonho", Cecília Meireles

     Olá pessoal, tudo bem? O livro da resenha de hoje é "Escolha o seu sonho", escrito por Cecília Meireles e publicado pela editora Record.
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     "Escolha o seu sonho" foi o primeiro livro inteiro da Cecília Meireles que li; até então, só havia lido um ou outro poema.
     É um livro de crônicas, que foram escritas inicialmente para programas de rádio, e depois foram reunidas e publicadas em um livro.
     A primeira crônica se chama Liberdade, quando bati os olhos no título surgiu um sorriso em meu rosto, Liberdade é o nome da minha cidade e também está presente no nome que escolhi para o blog. Gostei da crônica, achei muito bonita:  
     "Liberdade
     Deve existir nos homens um sentimento profundo que corresponde a essa palavra LIBERDADE, pois sobre ela se têm escrito poemas e hinos, a ela se têm levantado estátuas e monumentos, por ela se tem até morrido com alegria e felicidade.
     Diz-se que o homem nasceu livre, que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade de outrem; que onde não há liberdade não há pátria; que a morte é preferível à falta de liberdade; que renunciar à liberdade é renunciar à própria condição humana; que a liberdade é o maior bem do mundo; que a liberdade é o oposto à fatalidade e à escravidão; nossos bisavós gritavam "Liberdade, Igualdade e Fraternidade! "; nossos avós cantaram: "Ou ficar a Pátria livre/ ou morrer pelo Brasil!"; nossos pais pediam: "Liberdade! Liberdade!/ abre as asas sobre nós", e nós recordamos todos os dias que "o sol da liberdade em raios fúlgidos/ brilhou no céu da Pátria..." em certo instante.
     Somos, pois, criaturas nutridas de liberdade há muito tempo, com disposições de cantá-la, amá-la, combater e certamente morrer por ela.
     Ser livre como diria o famoso conselheiro... é não ser escravo; é agir segundo a nossa cabeça e o nosso coração, mesmo tendo de partir esse coração e essa cabeça para encontrar um caminho... Enfim, ser livre é ser responsável, é repudiar a condição de autômato e de teleguiado é proclamar o triunfo luminoso do espírito. (Suponho que seja isso.)
     Ser livre é ir mais além: é buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a órbita da vida. É não estar acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes.
     Por isso, os meninos atiram pedras e soltam papagaios. A pedra inocentemente vai até onde o sonho das crianças deseja ir (As vezes, é certo, quebra alguma coisa, no seu percurso...)
     Os papagaios vão pelos ares até onde os meninos de outrora (muito de outrora!...) não acreditavam que se pudesse chegar tão simplesmente, com um fio de linha e um pouco de vento! ...
     Acontece, porém, que um menino, para empinar um papagaio, esqueceu-se da fatalidade dos fios elétricos e perdeu a vida.
     E os loucos que sonharam sair de seus pavilhões, usando a fórmula do incêndio para chegarem à liberdade, morreram queimados, com o mapa da Liberdade nas mãos! ...
     São essas coisas tristes que contornam sombriamente aquele sentimento luminoso da LIBERDADE.
     Para alcançá-la estamos todos os dias expostos à morte. E os tímidos preferem ficar onde estão, preferem mesmo prender melhor suas correntes e não pensar em assunto tão ingrato.
     Mas os sonhadores vão para a frente, soltando seus papagaios, morrendo nos seus incêndios, como as crianças e os loucos. E cantando aqueles hinos, que falam de asas, de raios fúlgidos linguagem de seus antepassados, estranha linguagem humana, nestes andaimes dos construtores de Babel..." (páginas 9, 10 e 11)

     Outra crônica que gostei foi Casas Amáveis. Moro numa cidade bem pequena, onde é possível encontrar casas numa arquitetura mais retrô, mais bonitas e alegres:
     "CASAS AMÁVEIS
     VOCÊS ME DIRÃO QUE AS casas antigas têm ratos, goteiras, portas e janelas empenadas, trincos que não correm, encanamentos que não funcionam. Mas não acontece o mesmo com tantos apartamentos novinhos em folha?
     Agora, o que nenhum arranha-céu poderá ter, e as casas antigas tinham, é esse ar humano, esse modo comunicativo, essa expressão de gentileza que enchiam de mensagens amáveis as ruas de outrora.
     Havia o feitio da casa: os chalés, com aquelas rendas de madeira pelo telhado, pelas varandas, eram uma festa, uma alegria, um vestido de noiva, uma árvore de Natal.
     As casas de platibanda expunham todos os seus disparates felizes: jarros e compoteiras lá no alto, moças recostadas em brasões, pássaros de asas abertas, painéis com datas e monogramas em relevos de ouro.
     Tudo isso queria dizer alguma coisa: as fachadas esforçavam-se por falar. E ouvia-se a sua linguagem com enternecimento. Mas, hoje, quem se detém a olhar para rosas esculpidas, acentos, estrelas, cupidos, esfinges, cariátides? Eram recordações mediterrâneas, orientais: mitologia, paganismo, saudade. (Que quer dizer saudade? E para que e o que recordar?)
     Os jardins tinham suas deusas, seus anões; possuíam mesmo bosques, onde morariam ecos e oráculos; e pequenas cascatas, pequenas grutas com um pouco d'água para os peixinhos. Possuíam canteiros de flores obscuras - violetas, amores-perfeitos - para serem vistas só de perto, carinhosamente, uma por uma, de cor em cor. (Hoje, estes ventos grandiosos apagam tudo.)
     E, lá dentro, as casas tinham corredores crepusculares, porões úmidos, habitados por certos fantasmas domésticos, que de vez em quando se faziam lembrar, com seus pálidos sopros, seus transparentes calcanhares, suas algemas de escravidão.
     As famílias abrigavam cortejos de mortos.
     E havia as clarabóias. Luz como aquela? Nem a do luar! - uma suavidade de cinza e marfim, a maciez da seda, o fulgor da opala.
     As casas eram o retrato de seus proprietários. Sabia-se logo de suas virtudes e defeitos. Retratos expostos ao público: nem sempre simpáticos, mas geralmente fiéis.
     Agora, os andaimes sobem, para os arranha-céus vitoriosos, frios e monótonos, tão seguros de sua utilidade que não podem suspeitar da sua ausência de gentileza.
     Qualquer dia, também desaparecerão essas últimas casas coloridas que exibem a todos os passantes suas ingênuas alegrias íntimas - flores de papel, abajures encarnados, colchas de franjas - e sujas risonhas proprietárias têm sempre um Y no nome, Yara, Nancy, Jeny... Ah! Não veremos mais essas palavras, em diagonal, por cima das janelas, de cortininhas arregaçadas, com um gatinho dormindo no peitoril.
     Afinal, tudo serão arranha-céus. (Ninguém mais quer ser como é: todos querem ser como os outros são.)
     E eis que as ruas ficarão profundamente tristes, sem a graça, o encanto, a surpresa das casas que vão sendo derrubadas. Casas suntuosas ou modestas, mas expressivas, comunicantes.Casas amáveis." (páginas 21, 22 e 23)

     Trecho da crônica Genealogia, sobre a solidão:
     "A solidão é um fato interior, separado das aparências, e que não impede nem a felicidade nem a alegria." (página 30)

     Trecho da crônica Vovô Hugo, uma verdade que os escritores talvez não se deem conta (vovô Hugo refere-se ao escritor de Os Miseráveis, Victor Hugo):
     "O futuro de hoje é o passado de amanhã e, quando já não estivermos vivos, para defender com unhas e dentes as nossas obras, elas terão de comparecer sozinhas diante do tribunal do mundo." (página 61)

     Trecho da crônica O grupo Fernando Pessoa, sobre o interesse dos jovens pelos clássicos:
     "Que estes jovens se agrupassem para assim fazerem presente o Trovador partido, que lhe acordassem a voz - não fácil - dessas solidões ocultas, já seria motivo de admiração; porque hoje é natural dos jovens esquecerem prontamente, e a tendência dos tempos é a de serem não só volúveis, mas também superficiais.      Mas o que assombra não é que venha esse Grupo a dizer em voz alta os poemas de Fernando Pessoa: é que por toda parte se manifeste o interesse de ouvi-los, e que os auditórios se detenham atentos, sensíveis à sua palavra, que nem sempre se imaginaria tão comunicável.
     Realmente, a palavra poética não possui sempre comunicabilidade oral. O poema escrito é feito principalmente para ser lido." (página 80)

     Trecho da crônica Semana Santa em Ouro Preto, na minha cidade a Semana Santa ainda guarda antigas tradições:
     "Nas grandes cidades modernas, inquietas e hostis, não há essa pausa, esse silêncio  tão favorável às vozes do Evangelho. A multidão apressada, torturada por problemas materiais inadiáveis, não dispõe de sossego de alma, nem mesmo de corpo, para parar, pensar, sentir.
     Nas pequenas cidades, ao contrário, há um tempo disponível, que é a riqueza e a poesia dos simples e pobres. (página 93)

     Muito do que foi pensado e escrito por Cecília Meireles na década de 60, se não me engano, ainda vale como retrato dos dias de hoje. Ela continua muito atual; se não fosse pelo uso do termo cosmonauta (atualmente usa-se mais astronauta), poderiam ser crônicas do século XXI.
     Percebi nas maioria das crônicas um sentimento de saudosismo, uma crítica ao mundo atual, apressado, onde as pessoas não tem tempo para a felicidade encontrada nas pequenas coisas.
     Trecho da crônica Tempo incerto:
     Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada: para se fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes sombras de dúvida. Não se acredita mais nem na existência de gente honesta; e os bons têm medo de exercitarem sua bondade, para não serem tratados de hipócritas ou de ingênuos.
     Chegamos a um ponto em que a virtude é ridícula e os mais vis sentimentos se mascaram de grandiosidade, simpatia, benevolência. A observação do presente leva-nos até a descer dos exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a história nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiros dos testamentos a opinião dos escribas?
     Se prestarmos atenção ao que nos dizem sobre as coisas que nós mesmos presenciamos - ou temos que aceitar a mentira como a arte mais desenvolvida do nosso tempo, ou desconfiaremos do nosso próprio testemunho, e acabamos no hospício! (página 52)
     Foi uma leitura extremamente agradável. Muitas das crônicas presentes no livro podem ser encontradas soltas pela internet (caso das duas que coloquei no post), mas tê-las todas reunidas num livro é muito melhor, dá pra se ter uma noção mais ampla de como Cecília Meireles via o mundo.
     Sobre a diagramação: o tamanho das margens e das letras é bom, as páginas são (ou ficaram, por causa do tempo?) amareladas.

     Detalhes: ISBN: 8501001716, 131 páginas, Skoob. Onde comprar online: Estante Virtual.

     Por hoje é só, espero que vocês tenham gostado da resenha. Quem aí já leu algum livro da Cecília Meireles? Tem algum outro dela para me indicar?
     Bom final de semana!
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26 comentários

  1. Não conhecia o livro, mas parece ser interessante
    Bem diferente do que eu costumo ler
    Já estou seguindo ;)

    Beijos
    http://pocketlibro.blogspot.com.br

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  2. Não conhecia o livro, são poucos os livros dela que conheço de fato, mas depois de ler A Hora da Estrela fiquei com vontade de ler seus outros livros, então pesquisarei os títulos.
    Cecília, com certeza, é uma ótima escritora, seus livros sempre trazem bons pensamentos e ótimas indagações.

    Beijos,
    Gabriella Suzart
    http://mbgsuzart1.blogspot.com.br/

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  3. Risos...
    Até agora eu tbm só li poesias e poemas aleatórios da Cecilia Meireles. Parece ser bem legal esse livro.
    Xerim :)
    http://www.trilouca.com/
    Fan Page Blog Trilouca

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  4. Cecília é uma das minhas escritoras prediletas. Sou fascinada pelos poemas dela. Nunca tinha lido as crônicas, obrigada por me trazer o primeiro contato! Com certeza vou procurar pelo livro.

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  5. Nunca ouvir, mas pelo o nome já parece bem legal. Beijos

    www.brrendacaroline.blogspot.com

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  6. Nunca li nada dessa autora, acredita? Mas tenho uma certa curiosidade, o problema é que a escola tenta obrigar tanto a leitura de autores como a Cecília que os alunos acabam ficando completamente desinteressados nesse tipo de obra D; Mas enfim, eu gostei da sua resenha e quem sabe eu não venha a ler esse livro :3

    Beijos :*
    Larissa - Srta. Bookaholic

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  7. Olá!
    Não li muito da cecilia meireles mesmo tendo a obra completa em casa! Acho que o unico que eu li foi felicidade clandestina, que apresenta contos muuuuito bons, e outros muuuuito ruins!
    Mas é uma coisa que pretendo mudar, ler mais os clássicos, tanto nacionais quando estrangeiros! :)

    Um beeijo Lara.
    Blog Meus Mundos no Mundo | | Página Coração Furta-Cor

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  8. Gostei muito da resenha e adoro a Cecilia Meireles e as poesias que ela fez e curto demais mesmo.

    Beijos
    http://rodrigobandasoficial.blogspot.com.br/

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  9. Pelo o que me lembre, nunca li nada da autora, mas claro que sempre tive curiosidade, sem contar que adoro crônicas, então acredito que seja um boa pedida para começar, só acho que terei que visitar algum sebo para encontrar este livro né. Valeu pela dica!

    Beijo, Van - Blog do Balaio
    balaiodelivros.blogspot.com.br

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    1. Oi Vanessa, acho que em sebos é mais fácil de encontrá-lo sim, obrigada pela visita e comentário.

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  10. Muito, muito legal... é dificil ver resenha de livros como o dela. Cecilia Meireles é o cara... haha
    Beijokas
    Jeh
    www.jeitodler.com

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  11. Nunca li nenhum livro da Cecilia, mas tenho muita vontade. Gostei da resenha e fiquei bastante interessada pelo livro.

    http://www.novaperspectiva.com/

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  12. Oi Mari, tudo bem?
    Eu também nunca li um livro inteiro da Cecília, apenas alguns textos separados, mas tenho muita vontade de conhecer mais sobre o trabalho dela, já que se trata de uma grande autora nacional.
    Adorei os textos que você deixou aqui e só me deram mais vontade de ler um livro inteiro dela.
    Adorei sua resenha!

    Beijão :*

    http://www.livrosesonhos.com/

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  13. Muito bom, Mari! Tudo que li da autora está em livros de literatura ou na internet, então certamente adoraria ler este livro. Até copiei um trecho que tu disponibilizou aqui na minha linha do tempo do Facebook. Gostei dos destaques, muito legal tua resenha.

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