Olá pessoal, tudo bem? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com o livro "No seu pescoço", escrito pela Chimamanda Ngozi Adichie e publicado em 2017 pela Companhia das Letras. A obra é composta por doze contos, abaixo falarei bem resumidamente sobre o que é e sobre o que me chamou mais a atenção em cada um:
Em "A cela um", uma garota, que mora com a família no campus da universidade onde o pai dá aulas, vê seu irmão mais velho se metendo em tantas confusões que acaba preso. As crueldades que o rapaz vivencia na prisão, acabam fazendo com que ele amadureça, longe da proteção dos pais que sempre "passavam a mão na cabeça dele".
"Réplica" é sobre Nkem, uma mulher que fica sabendo por uma conhecida que está sendo traída. Ela e os filhos vivem nos Estados Unidos com uma empregada, e só vão nas férias para sua terra natal, a Nigéria, onde o marido passa a maior parte do ano. Nkem sentia-se sortuda por ter sido escolhida como esposa por um homem bem sucedido, mas a descoberta da traição fará com que ela repense a forma como tem aceitado o que a vida lhe dá.
"Uma experiência privada" nos traz Chika, que estava estava na hora errada e no lugar errado, passeando com a irmã quando aconteceu uma confusão na rua, motivada por conflitos entre grupos de religião diferente, e ela saiu correndo, se perdendo da irmã. Chika encontrou refúgio numa loja abandonada junto com uma mulher muçulmana, supostamente do povo inimigo. Ali, naquela loja, são duas mulheres com histórias de vida totalmente diferente, mas sofrendo igualmente pelos seus que estão lá fora.
"Fantasmas" é narrado por um professor aposentado que leva um susto ao encontrar um antigo colega que ele achava que havia morrido nos anos sessenta num conflito que assolou o país. O fato de ele estar vivo levanta a desconfiança de que pode ter sido um traidor de um dos lados do conflito de décadas atrás. Podemos fazer um paralelo entre essa situação e a vivenciada na ditadura que terminou aqui no Brasil nos anos oitenta, onde tantas pessoas desapareceram; sabemos que a maioria dos desaparecidos foi morta pelos militares, mas imaginem o choque de encontrar pessoalmente alguém que você achava que estava morto! Nesse conto, ainda temos um ar de sobrenatural, através das visitas que a falecida esposa faz ao narrador.
"Hoje eu vi Ikenna Okoro, um homem que eu acreditava estar morto há muito tempo. Talvez devesse ter me abaixado, pegado um punhado de areia e atirado nele, como meu povo faz para ter certeza de que uma pessoa não é um fantasma. Mas sou um homem educado no Ocidente, um professor de matemática aposentado de setenta e um anos e supostamente munido de ciência o suficiente para rir com indulgência dos costumes do meu povo. Não joguei areia nele. Não poderia tê-lo feito nem que quisesse, de qualquer maneira, já que nos encontramos no chão de concreto da tesouraria da universidade." (página 64)
"Na segunda-feira da semana passada" nos apresenta Kamara, que veio para os Estados Unidos morar com o namorado que conheceu ainda na faculdade, na Nigéria. Ela tinha até um mestrado, mas foi trabalhar como babá. A forma como seu patrão cuidava do filho era muito diferente da forma como Kamara foi criada, era como se o menino precisasse ter sempre o melhor e nunca se frustrar. Essas diferenças chocavam um pouco Kamara, assim como era chocante como o tempo tinha mudado e distanciado ela e o seu namorado.
"Havia emoções que Kamara queria segurar na palma da mão, mas que simplesmente não existiam mais." (página 95)
"'Cadê o Josh? Cadê o Josh?', perguntara Neil, como se fosse possível que seu filho estivesse em qualquer outro lugar que não em algum cômodo da casa. Kamara desligara sentindo pena dele. Tinha passado a entender que, nos Estados Unidos, criar filhos era fazer malabarismo com diversas ansiedades" (página 91)
"Jumping Monkey Hill" é o nome do resort onde a escritora nigeriana Ujunwa vai para um workshop com outros escritores africanos. Além dela, temos um ugandês (que parece ser o preferido do organizador do evento), dois sul-africanos, um tanzaniano, uma zimbabuense, um queniano e uma senegalesa. A ideia era que cada participante escrevesse um conto durante o encontro, o que poderia lhes abrir portas em suas carreiras. Mas aquele era um lugar onde a maioria dos hóspedes era de turistas brancos. Esse conto traz uma diversidade interessante de personagens de vários países africanos. Além disso, fala sobre o assédio vivido pelas mulheres, em especial, as negras, e a fala do organizador do evento na citação abaixo reforça como as mulheres são desacreditadas ao denunciar o assédio:
"Edward se recostou na cadeira e disse: 'Nunca é exatamente assim na vida real, não é? As mulheres nunca são vítimas dessa maneira tão grosseira, e certamente não na Nigéria. A Nigéria tem mulheres em posição de poder. A ministra mais importante do gabinete é uma mulher." (página 123)
"No seu pescoço", que dá nome à obra, é narrado em segunda pessoa e fala sobre uma jovem que consegue o visto para ir morar nos Estados Unidos. Chegando na América, ela percebe que o "sonho americano" não seria tão bonito como imaginava a família e os amigos que ficaram na Nigéria. Um dos temas do conto é o relacionamento entre negros e brancos, sem contar o preconceito dos outros, a questão da diferença de forma de ver a vida entre a protagonista e o rapaz são bem nítidos. É complicado dizer que um ou outro estão errados, visto que vivem conforme as oportunidades que lhe foram dadas, mas obviamente é um desafio grande para o relacionamento.
"Os presentes dele deixavam você perplexa. Uma bola de vidro do tamanho de um punho que você sacudia para ver uma boneca curvilínea e minúscula girar dentro dela. Uma pedra brilhante cuja superfície assumia a cor de tudo o que tocava. Um lenço caro pintado à mão no México. Afinal você disse para ele, com uma voz alongada de ironia, que, na sua vida, presentes sempre eram coisas úteis. A pedra, por exemplo, teria funcionado se fosse possível moer coisas com ela. Ele riu muito, por um bom tempo, mas você não riu. Entendeu que, na vida que ele levava, era possível comprar presentes que eram só presentes e mais nada, nada de útil." (página 135)
"Você não sabia que as pessoas podiam simplesmente escolher não estudar, que as pessoas podiam mandar na vida. Você estava acostumada a aceitar o que a vida dava, a escrever o que a vida ditava." (página 131)
"Elas perguntaram onde você tinha aprendido a falar inglês, se havia casas de verdade na África e se você já tinha visto um carro antes de vir para os Estados Unidos. Olharam boquiaberta para o seu cabelo. Ele fica em pé ou cai quando você solta as tranças? Elas queriam saber. Fica todo em pé? Como? Por quê? Você usa pente? Você sorria de um jeito forçado enquanto elas faziam essas perguntas. Seu tio lhe disse que aquilo era esperado; uma mistura de ignorância e arrogância, foi como ele definiu." (página 126)
"A embaixada americana" traz uma personagem numa embaixada onde vai tentar conseguir asilo político. É outro conto em que podemos encontrar semelhanças com o que foi vivido aqui no Brasil na época da ditadura, e também com o que vivemos hoje, onde quem ergue a voz contra os que estão no poder, corre o risco de ser silenciado, como foi o caso recente do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Ukamaka é a protagonista de "O tremor", uma universitária que se desespera ao saber que um avião caiu na Nigéria, um avião onde poderia estar o seu ex-namorado. Ukamaka recebe a visita de outro nigeriano da faculdade, que vai até o apartamento dela para rezar. Ukamaka e esse rapaz acabam se tornando amigos, uma amizade onde ela vai perceber que não é a única a ter problemas (e é impressionante como esse amigo tinha paciência para ouvi-la!).
"'Ele costumava me fazer pensar que nada do que eu dizia era espirituoso, sarcástico ou inteligente o suficiente. Sempre se esforçava para ser diferente, até quando não tinha importância. Era como se a vida dele fosse uma performance, não uma vida. (...) Como você pode amar alguém e ao mesmo tempo querer controlar o nível de felicidade que é permitido à pessoa?'" (página 166)
"Os casamenteiros" é sobre uma jovem criada pelos tios, que ficam felizes em se ver livres dela ao casá-la com um médico que mora nos Estados Unidos. Mas o que foi prometido à protagonista é muito diferente da realidade que ela encontra.
"'Podemos comprar essa bolacha?', perguntei. Os pacotes azuis de Burtons's Rich Tea eram familiares: eu não queria comer bolachas, queria algo familiar dentro do carrinho." (página 187)
"Amanhã é tarde demais" também é narrado em segunda pessoa. Traz a história de uma garota que se sentia magoada pelo fato de seu irmão mais velho ser o favorito. No caso da avó, era o favorito por ser menino e supostamente levar adiante o nome da família, e, por mais que se esforçasse, a garota nunca poderia superá-lo nisso. Mas ele morreu. Anos depois, ela precisa revisitar o passado juntamente com o primo, e se confrontar com as verdades sobre a morte do irmão.
"A historiadora obstinada" é o último conto do livro. Fala sobre uma mulher africana que aceitou colocar o filho para aprender o idioma dos brancos, pois assim ele poderia recuperar na justiça o que seus tios lhe roubaram. Porém, o filho acaba abandonando os costumes do próprio povo para aderir aos costumes dos brancos. Tempos depois, é Grace, a neta, quem voltará para suas origens.
"O eminente sr. Gboyega, um nigeriano de pele cor de chocolate, renomado especialista em história do império britânico, tinha pedido demissão, repugnado, quando o Conselho de Exames da África Ocidental começou a discutir a ideia de acrescentar história africana ao currículo, pois considerava um absurdo que história africana fosse considerada uma disciplina. Grace refletiria sobre isso durante um longo tempo, com grande tristeza, e, por causa do ocorrido, veria com clareza a ligação entre educação e dignidade, entre as coisas duras e óbvias que são impressas nos livros e as coisas suaves e sutis que se alojam na alma." (página 231)
Aperte o play ou continue lendo:
Da Chimamanda, eu já havia lido "Sejamos todos feministas", um discurso maravilhoso, e desde então, queria ler os outros livros dela. Comprei "No seu pescoço", e por gostar de contos, ele foi minha escolha entre as 3 indicações da Jéssica para a TAG Você Deveria Ler para ontem. Como eu imaginava, "No seu pescoço" foi uma leitura rápida, li o livro em dois dias, e foi uma leitura que gostei muito.
Não consigo escolher um conto favorito. Todos tem historias fortes que poderiam ser reais, e personagens marcantes. Há semelhanças entre os contos, é possível notar uma coesão entre eles. Por exemplo, a maioria dos personagens é nigeriano, sendo a Nigéria o país onde a autora nasceu, e é notável como ela usa a História de sua terra natal como pano de fundo nas tramas.
A imigração para os Estados Unidos também é outro tema recorrente, e fica claro como a vida na América é glamourizada pelos que ficam na Nigéria, mas a realidade no novo país tem suas dificuldades, como o racismo, as diferenças culturais, a saudade das suas origens e a solidão. Por exemplo, a narradora de "Os casamenteiros", quando vai ao supermercado nos Estados Unidos pela primeira vez, vê uma marca de biscoito conhecida no meio de todas aquelas embalagens diferentes, e encontrar aquela marca é como se ela não estivesse mais num lugar tão estranho.
Me lembro comentar no blog na resenha de "Nós matamos o cão tinhoso", um outro livro de contos de um autor africano, no caso, um autor de Moçambique, que a realidade apresentada nos contos era muito diferente da que eu conhecia, e por isso era difícil me identificar com as histórias e com os personagens. Mas com "No seu pescoço" foi diferente, consegui sentir empatia, entender e me imaginar no lugar dos personagens dos contos. A Chimamanda fala de coisas que fazem parte da minha realidade: a desigualdade entre homens e mulheres, a amizade, o amor, a família.
É interessante como, num mesmo conto, ela consegue falar sobre vários temas. A Chimamanda escreve de uma forma sensível em alguns momentos, de forma irônica e bem humorada em outros. Algumas atitudes de personagens me faziam pensar que eles deviam ser mais humildes, mais agradecidos, mas é o livro que me fez ser mais humilde, reconhecer a minha ignorância em relação às histórias de vidas diferentes. Quem sou eu pra julgar?
A autora também inova ao trazer narração em primeira, terceira e segunda pessoa. São dois contos narrados em segunda pessoa, um deles é o que dá nome à obra, "No seu pescoço". A protagonista consegue o visto pramorar com o tio nos Estados Unidos, mas as coisas não dão muito certo. Ela começa um relacionamento com um rapaz branco, e as diferenças entre a forma como um e o outro veem a vida são gritantes. O objetivo dela era estudar, trabalhar, vencer na vida, ele ainda não tinha terminado a faculdade, recusava passeios de férias com os pais e passou anos em busca de se conhecer e descobrir o que queria para si. Nenhuma dessas formas de levar a vida é errada, são histórias de vidas moldadas pelas oportunidades, e é importante lembrar que não existe só o nosso jeito de ver o mundo.
A edição traz uma capa bonita e que remete à ambientação, boa revisão, páginas amareladas e diagramação com letras, margens e espaçamento de bom tamanho.
Detalhes: 240 páginas, ISBN-13: 9788535929454, Skoob. VOCÊ SABIA que na Nigéria não há recrutamento militar? Mas desde 1973 os graduados das universidades foram obrigados a participar do programa National Youth Service Corps por um ano. Isto é conhecido como ano de serviço nacional, ou Serviço Nacional da Juventude, mencionado por vários personagens nos contos. DICA MUSICAL: Majek Fashek é um canto nigeriano mencionado em um dos contos, recomendo que pesquisem pelo nome dele no Youtube para ouvir algumas músicas.
"No seu pescoço" é uma leitura que eu recomendo muito, além de trazer histórias muito boas e com as quais você certamente vai ser tocado, com certeza é uma leitura que vai ampliar a sua visão sobre as diferenças, sobre o racismo, sobre o machismo, que vai mostrar uma África muito diferente do que a mídia mostra, onde parece que é só miséria, seca e safári, assim como o Brasil não é Amazônia, futebol e carnaval de norte a sul o ano todo.
"Jumping Monkey Hill" é o nome do resort onde a escritora nigeriana Ujunwa vai para um workshop com outros escritores africanos. Além dela, temos um ugandês (que parece ser o preferido do organizador do evento), dois sul-africanos, um tanzaniano, uma zimbabuense, um queniano e uma senegalesa. A ideia era que cada participante escrevesse um conto durante o encontro, o que poderia lhes abrir portas em suas carreiras. Mas aquele era um lugar onde a maioria dos hóspedes era de turistas brancos. Esse conto traz uma diversidade interessante de personagens de vários países africanos. Além disso, fala sobre o assédio vivido pelas mulheres, em especial, as negras, e a fala do organizador do evento na citação abaixo reforça como as mulheres são desacreditadas ao denunciar o assédio:
"Edward se recostou na cadeira e disse: 'Nunca é exatamente assim na vida real, não é? As mulheres nunca são vítimas dessa maneira tão grosseira, e certamente não na Nigéria. A Nigéria tem mulheres em posição de poder. A ministra mais importante do gabinete é uma mulher." (página 123)
"No seu pescoço", que dá nome à obra, é narrado em segunda pessoa e fala sobre uma jovem que consegue o visto para ir morar nos Estados Unidos. Chegando na América, ela percebe que o "sonho americano" não seria tão bonito como imaginava a família e os amigos que ficaram na Nigéria. Um dos temas do conto é o relacionamento entre negros e brancos, sem contar o preconceito dos outros, a questão da diferença de forma de ver a vida entre a protagonista e o rapaz são bem nítidos. É complicado dizer que um ou outro estão errados, visto que vivem conforme as oportunidades que lhe foram dadas, mas obviamente é um desafio grande para o relacionamento.
"Os presentes dele deixavam você perplexa. Uma bola de vidro do tamanho de um punho que você sacudia para ver uma boneca curvilínea e minúscula girar dentro dela. Uma pedra brilhante cuja superfície assumia a cor de tudo o que tocava. Um lenço caro pintado à mão no México. Afinal você disse para ele, com uma voz alongada de ironia, que, na sua vida, presentes sempre eram coisas úteis. A pedra, por exemplo, teria funcionado se fosse possível moer coisas com ela. Ele riu muito, por um bom tempo, mas você não riu. Entendeu que, na vida que ele levava, era possível comprar presentes que eram só presentes e mais nada, nada de útil." (página 135)
"Você não sabia que as pessoas podiam simplesmente escolher não estudar, que as pessoas podiam mandar na vida. Você estava acostumada a aceitar o que a vida dava, a escrever o que a vida ditava." (página 131)
"Elas perguntaram onde você tinha aprendido a falar inglês, se havia casas de verdade na África e se você já tinha visto um carro antes de vir para os Estados Unidos. Olharam boquiaberta para o seu cabelo. Ele fica em pé ou cai quando você solta as tranças? Elas queriam saber. Fica todo em pé? Como? Por quê? Você usa pente? Você sorria de um jeito forçado enquanto elas faziam essas perguntas. Seu tio lhe disse que aquilo era esperado; uma mistura de ignorância e arrogância, foi como ele definiu." (página 126)
"A embaixada americana" traz uma personagem numa embaixada onde vai tentar conseguir asilo político. É outro conto em que podemos encontrar semelhanças com o que foi vivido aqui no Brasil na época da ditadura, e também com o que vivemos hoje, onde quem ergue a voz contra os que estão no poder, corre o risco de ser silenciado, como foi o caso recente do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Ukamaka é a protagonista de "O tremor", uma universitária que se desespera ao saber que um avião caiu na Nigéria, um avião onde poderia estar o seu ex-namorado. Ukamaka recebe a visita de outro nigeriano da faculdade, que vai até o apartamento dela para rezar. Ukamaka e esse rapaz acabam se tornando amigos, uma amizade onde ela vai perceber que não é a única a ter problemas (e é impressionante como esse amigo tinha paciência para ouvi-la!).
"'Ele costumava me fazer pensar que nada do que eu dizia era espirituoso, sarcástico ou inteligente o suficiente. Sempre se esforçava para ser diferente, até quando não tinha importância. Era como se a vida dele fosse uma performance, não uma vida. (...) Como você pode amar alguém e ao mesmo tempo querer controlar o nível de felicidade que é permitido à pessoa?'" (página 166)
"Os casamenteiros" é sobre uma jovem criada pelos tios, que ficam felizes em se ver livres dela ao casá-la com um médico que mora nos Estados Unidos. Mas o que foi prometido à protagonista é muito diferente da realidade que ela encontra.
"'Podemos comprar essa bolacha?', perguntei. Os pacotes azuis de Burtons's Rich Tea eram familiares: eu não queria comer bolachas, queria algo familiar dentro do carrinho." (página 187)
"Amanhã é tarde demais" também é narrado em segunda pessoa. Traz a história de uma garota que se sentia magoada pelo fato de seu irmão mais velho ser o favorito. No caso da avó, era o favorito por ser menino e supostamente levar adiante o nome da família, e, por mais que se esforçasse, a garota nunca poderia superá-lo nisso. Mas ele morreu. Anos depois, ela precisa revisitar o passado juntamente com o primo, e se confrontar com as verdades sobre a morte do irmão.
"A historiadora obstinada" é o último conto do livro. Fala sobre uma mulher africana que aceitou colocar o filho para aprender o idioma dos brancos, pois assim ele poderia recuperar na justiça o que seus tios lhe roubaram. Porém, o filho acaba abandonando os costumes do próprio povo para aderir aos costumes dos brancos. Tempos depois, é Grace, a neta, quem voltará para suas origens.
"O eminente sr. Gboyega, um nigeriano de pele cor de chocolate, renomado especialista em história do império britânico, tinha pedido demissão, repugnado, quando o Conselho de Exames da África Ocidental começou a discutir a ideia de acrescentar história africana ao currículo, pois considerava um absurdo que história africana fosse considerada uma disciplina. Grace refletiria sobre isso durante um longo tempo, com grande tristeza, e, por causa do ocorrido, veria com clareza a ligação entre educação e dignidade, entre as coisas duras e óbvias que são impressas nos livros e as coisas suaves e sutis que se alojam na alma." (página 231)
Opinião geral sobre o livro:
Aperte o play ou continue lendo:
Da Chimamanda, eu já havia lido "Sejamos todos feministas", um discurso maravilhoso, e desde então, queria ler os outros livros dela. Comprei "No seu pescoço", e por gostar de contos, ele foi minha escolha entre as 3 indicações da Jéssica para a TAG Você Deveria Ler para ontem. Como eu imaginava, "No seu pescoço" foi uma leitura rápida, li o livro em dois dias, e foi uma leitura que gostei muito.
Não consigo escolher um conto favorito. Todos tem historias fortes que poderiam ser reais, e personagens marcantes. Há semelhanças entre os contos, é possível notar uma coesão entre eles. Por exemplo, a maioria dos personagens é nigeriano, sendo a Nigéria o país onde a autora nasceu, e é notável como ela usa a História de sua terra natal como pano de fundo nas tramas.
A imigração para os Estados Unidos também é outro tema recorrente, e fica claro como a vida na América é glamourizada pelos que ficam na Nigéria, mas a realidade no novo país tem suas dificuldades, como o racismo, as diferenças culturais, a saudade das suas origens e a solidão. Por exemplo, a narradora de "Os casamenteiros", quando vai ao supermercado nos Estados Unidos pela primeira vez, vê uma marca de biscoito conhecida no meio de todas aquelas embalagens diferentes, e encontrar aquela marca é como se ela não estivesse mais num lugar tão estranho.
Me lembro comentar no blog na resenha de "Nós matamos o cão tinhoso", um outro livro de contos de um autor africano, no caso, um autor de Moçambique, que a realidade apresentada nos contos era muito diferente da que eu conhecia, e por isso era difícil me identificar com as histórias e com os personagens. Mas com "No seu pescoço" foi diferente, consegui sentir empatia, entender e me imaginar no lugar dos personagens dos contos. A Chimamanda fala de coisas que fazem parte da minha realidade: a desigualdade entre homens e mulheres, a amizade, o amor, a família.
É interessante como, num mesmo conto, ela consegue falar sobre vários temas. A Chimamanda escreve de uma forma sensível em alguns momentos, de forma irônica e bem humorada em outros. Algumas atitudes de personagens me faziam pensar que eles deviam ser mais humildes, mais agradecidos, mas é o livro que me fez ser mais humilde, reconhecer a minha ignorância em relação às histórias de vidas diferentes. Quem sou eu pra julgar?
A autora também inova ao trazer narração em primeira, terceira e segunda pessoa. São dois contos narrados em segunda pessoa, um deles é o que dá nome à obra, "No seu pescoço". A protagonista consegue o visto pramorar com o tio nos Estados Unidos, mas as coisas não dão muito certo. Ela começa um relacionamento com um rapaz branco, e as diferenças entre a forma como um e o outro veem a vida são gritantes. O objetivo dela era estudar, trabalhar, vencer na vida, ele ainda não tinha terminado a faculdade, recusava passeios de férias com os pais e passou anos em busca de se conhecer e descobrir o que queria para si. Nenhuma dessas formas de levar a vida é errada, são histórias de vidas moldadas pelas oportunidades, e é importante lembrar que não existe só o nosso jeito de ver o mundo.
A edição traz uma capa bonita e que remete à ambientação, boa revisão, páginas amareladas e diagramação com letras, margens e espaçamento de bom tamanho.
Detalhes: 240 páginas, ISBN-13: 9788535929454, Skoob. VOCÊ SABIA que na Nigéria não há recrutamento militar? Mas desde 1973 os graduados das universidades foram obrigados a participar do programa National Youth Service Corps por um ano. Isto é conhecido como ano de serviço nacional, ou Serviço Nacional da Juventude, mencionado por vários personagens nos contos. DICA MUSICAL: Majek Fashek é um canto nigeriano mencionado em um dos contos, recomendo que pesquisem pelo nome dele no Youtube para ouvir algumas músicas.
"No seu pescoço" é uma leitura que eu recomendo muito, além de trazer histórias muito boas e com as quais você certamente vai ser tocado, com certeza é uma leitura que vai ampliar a sua visão sobre as diferenças, sobre o racismo, sobre o machismo, que vai mostrar uma África muito diferente do que a mídia mostra, onde parece que é só miséria, seca e safári, assim como o Brasil não é Amazônia, futebol e carnaval de norte a sul o ano todo.
Olá!! :)
ResponderExcluirEu confesso que não sou grande leitor de contos, mas ainda bem que gostaste de fazer a leitura!
Que ótimo que a autora inovou também na narração, com dois contos em segunda pessoa, que bom!
Boas leituras!! ;)
no-conforto-dos-livros.webnode.com
Oi!
ResponderExcluirEu conheci essa autora há algum tempo, em meio às minhas matérias da faculdade. Assistimos à uma palestra dela, chamada "Os Perigos da História Única" (https://youtu.be/EC-bh1YARsc), onde ela conta um pouco como foi a sua infância na Nigéria e como foi quando estudou nos Estados Unidos, como as pessoas sempre pensavam que os Nigerianos passavam fome e ela nunca tinha passado. Ela faz um comentário bem legal nessa palestra, ilustrando muito bem "os perigos da história única", que é o que ela passou com essas pessoas. Lembro que eu fiquei fascinada pela forma como ela retratou esse assunto, tanto é que mesmo fazendo alguns anos, ainda lembro com perfeição. Inclusive, junto com essa palestra, recebemos uma cópia, junto ao nosso material didático de um dos contos que você disse ter nesse livro, "Uma experiência privada".
Muito legal saber que tem um livro com os contos dela, eu realmente não sabia, mas ja estou aqui anotando para adquirir em breve.
Abraços
Olá
ResponderExcluirInfelizmente ainda não pude conferir nada da Chimamanda mas com certeza No seu pescoço me chama muita atenção, já que nos contos os protagonistas mostram muitas vezes a realidade dos imigrantes, eu fico muito curiosa já que se trata de temas fortes e atuais.
Nunca li nada da autora, mas já ouvi falar muito bem de seus livros e quando se trata de conto eu já fico curiosa,gosto muito desse gênero. Ainda mais quando estes possuem personagens marcantes e histórias bem reais como mencionou. Como nunca li nada de autor africano, vou anotar essa dica e a Nós matamos o cão tinhoso. Quero ler.
ResponderExcluirAbraços.
https://cabinedeleitura0.blogspot.com.br/
Oiiii
ResponderExcluirEu quero ler Sejamos todos feministas, dizem que a escrita da Chimamanda é forte e impactante e eu adoro isso. Não costumo ler muitos contos, não exatamente uma leitura que me chame a atenção mas esse parece ser interessante por se tratar de temas tão variados e amplos.
Beijos
www.derepentenoultimolivro.com
É até vergonhoso falar que não li nada da Chimamanda, principalmente porque só vejo elogios a respeito de seus livros. No seu pescoço está na minha lista de desejados e, quando vi essa edição fiquei doida porque está muito linda!!!
ResponderExcluirAs histórias, com toda certeza, vão me agradar em cheio, tenho certeza de que vou terminar a leitura cheia de novas reflexões.
Beijos
Adoro essa autora!! Já li todos os romances dela e os únicos textos que faltam são No seu Pescoço e Para educar crianças feministas. Adorei as premissas de todos os contos, fizeram-me recordar das outras histórias da autora que li.
ResponderExcluirNão sabia que na Nigéria não tinha serviço militar obrigatório.
Bjs
Conheço o livro e estou super afim da Leitura, até para ter outras leituras da autora, já que eu so li uma até agora.
ResponderExcluirObrigada por falar um pouco de cada conto, assim consigo ter uma ideia do que esperar.
Bjs Rose
Olá!
ResponderExcluirNão conhecia esse livro, mas parece ser uma leitura bem densa e cheia de reflexões. Contos não fazem muito meu estilo de leitura, mas estou de olho nas obras dessa autora.
Beijos!
Camila de Moraes
Olá!
ResponderExcluirEu já li muitos comentários maravilhosos a respeito dessa autora, mas não li nenhum dos livros dela. É muito interessante saber que ela retrata o feminismo, a questão do preconceito e tantos outros temas relevantes para a nossa atualidade.
Já coloquei na minha lista de desejados e espero ter a oportunidade de ler em algum momento.
Bjs.
Hey Maria, tudo bem?
ResponderExcluirEu estou bem curiosa para ler outros livros da Chimamanda, pois o que li - Sejamos todos feministas - foi um livro que me agradou demais. Gostei muito de sua resenha e fiquei muito contente por você ter dito que o livro é interessante. Gostei muito de ser um livro de contos, pois parecem rápidos de serem lidos também.
Vou anotar a dica.
Beijos
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirDa Chimamanda, eu li apenas Sejamos todos feministas e, apesar de ser uma leitura tão rápida, foi muito inspiradora e me despertou a curiosidade de conhecer outros trabalhos da autora.
Eu já tinha ouvido falar desse livro, mas não sabia que se tratavam de contos. Adorei saber um pouco sobre cada um deles e fico feliz que você não tenha conseguido escolher um favorito, pois isso indica que são todos realmente muito bons.
Adorei a resenha e fiquei com muita vontade de ler este livro. A dica já está mais do que anotada e espero poder ler em breve.
Beijos!
Eu li Hibisco Roxo e me senti profundamente tocada pela escrita dessa autora, com certeza foi o melhor livro que li ano passado. Chimamanda sabe como ninguém como sensibilizar o leitor e pelo que vejo, em contos ela se saiu muito bem, né? Dica anotada.
ResponderExcluirOii! Eu ainda não tive a oportunidade de conhecer a escrita dessa autora, mas já fiquei curiosa para conferir essa obra. Os contos parecem ser muito interessantes e envolventes, confesso que também acharia difícil escolher um preferido haha. Amei a sua resenha, dica anotada. Bjss!
ResponderExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei a sua resenha. Já li e resenhei essa obra lá no blog também. Acho uma ótima forma de começar a ler a autora porque aborda vários assuntos de sua escrita, e são temas bem pertinentes, porém fortes de se ler.
Caramba! Adoro contos!!!
ResponderExcluirNão sabia dessa obra!!!
Adorei conhecer ela aqui no seu blog!
A capa é linda, e pelos resumos que você fez de cada conto, fiquei batante interessada em ler!!
Dica super anotada!
Beijinhos!
#Ana Souza
https://literakaos.wordpress.com