Resenha: livro "O homem que odiava Machado de Assis", José Almeida Júnior

 Olá pessoal, tudo bem? Na resenha de hoje, venho comentar sobre minha experiência de leitura com o livro "O homem que odiava Machado de Assis", escrito pelo José Almeida Júnior e publicado em 2019 pela Faro Editorial.

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 A história se passa no século dezenove e é narrada por Pedro Junqueira. Ele morava em São Paulo e ficou órfão de mãe aos seis anos. O pai, um rico cafeicultor, o levou para morar na fazenda de uma tia no Rio de Janeiro. Lá, nasceria sua rivalidade com Joaquim, que mais tarde seria conhecido como Machado de Assis. Joaquim não perdia a oportunidade de aprontar para cima de Pedro.


 O tempo passou, Pedro foi para o colégio interno Pedro II, depois para Portugal estudar advocacia, até que voltou ao Brasil e se deparou com Machado de Assis casado com sua antiga namorada.

 Pedro queria sua namorada de volta e faria o que fosse possível para isso. Porém, seus problemas com Machado não se resumiriam aos desentendimentos da infância nem ao campo amoroso. Machado roubaria a ideia que Pedro teve para um livro, publicando "Memórias Póstumas de Brás Cubas" como se o autor defunto fosse uma invenção sua e não de Pedro. Até onde irá a rivalidade dos dois?

 "- Vim aqui também para tratar de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
 Machado mudou de cor, de mulato fez-se branco.
 - Está gostando da publicação do folhetim? - perguntou, gaguejando.
 - Não precisamos fazer rodeios, você sabe que plagiou minha obra. Confiei em você ao trazer meus manuscritos. Mas você ardilosamente me convenceu de que deveria desistir da ideia.
 - Minha obra é absolutamente original. Não tem nada a ver com aquelas porcaria que você escreveu.
 - Quero que assuma publicamente que furtou minha ideia e cancele imediatamente os próximos folhetins que sairão na Revista Brasileira.
 - Não plagiei você, apenas peguei um enredo mal construído e terrivelmente escrito e o transformei numa grande obra." (página 162)

 Do Machado de Assis eu só li "Dom Casmurro" e "O Alienista" na escola e lembro que não foram minhas leituras favoritas na época (eu tinha dez anos e nenhum apreço por histórias com finais não felizes), e recentemente li o conto "A cartomante". Então, meu conhecimento sobre as obras de Machado é pequeno. Outros leitores têm comentado que há varias referência aos livros dele na história de José Almeida Júnior, referências que devem ser bem legais de encontrar.

 Mencionado meu nível de conhecimento sobre o escritor que vira personagem no livro, posso prosseguir o post sobre minha experiência de leitura. A escrita do autor é boa, condizente com o vocabulário da época sem ser complicada de ler, e, aliada ao fato de o livro ter pouco mais de duzentas páginas e a trama nos manter curiosos sobre os rumos que a história irá tomar, pode ser uma leitura rápida.

 O grande destaque do livro, no meu ponto de vista, é a mistura da História com a ficção, nos dando a oportunidade de viajar no tempo: para Portugal, o Rio de Janeiro e as fazendas de café da São Paulo do final do século dezenove. É ótimo poder ler como a Lei do Ventre Livre foi aprovada, por exemplo, e descobrir que algumas coisas mudaram (como o cargo de senador que era vitalício), enquanto outras continuam sendo usadas até hoje (vide oferecimento de dinheiro em troca de votos na câmara e as táticas de inversão de pauta de votação e falta de quórum). Através da leitura, conheceremos um pouco de Machado de Assis, de outros escritores e de pessoas importantes da época, além dos lugares como a Rua do Ouvidor, o Teatro Alcazar e o porto de séculos atrás.

 "Dona Custódia falou de sua moléstia e das dores que sentia pelo corpo. Seus olhos fundos e abatidos causavam compaixão. Se eu estivesse em seu lugar, preferiria morrer logo para aliviar a dor e deixar de preocupar os familiares." (página 61, será que preferiria mesmo, Pedro?)

 Depois de finalizar a leitura, fui pesquisar alguns fatos e personagens mencionados, e me parece que o autor foi bem fiel aos acontecimentos da época, de modo que fico mais tranquila para falar sobre os personagens. Nesse livro, nenhum personagem é perfeito, todos eles têm atitudes questionáveis. Pedro mente e é egoísta várias vezes. Carolina e Joana, cuja participação na trama deixo para vocês descobrirem na leitura, não se comportam como se esperava das moças da época (ressalto que não condeno as atitudes delas). E Machado de Assis roubou a ideia de Pedro, foi gentil com ele quando precisava, não era nenhum santo nesse livro e, pelo que pesquisei, algumas das acusações contra Machado têm fundamento (não sobre o plágio específico de "Memórias Póstumas de Brás Cubas").

 Como já mencionei, a obra retrata as últimas décadas da escravidão dos negros no Brasil, falando sobre os movimentos que eram favoráveis e contrários a ela. Também retrata a vida dos escritores da época, como Machado e José de Alencar, o que me trouxe duas reflexões interessantes. A primeira, sobre José de Alencar e sua ideia de que era preciso mudar as ideias da sociedade sobre os escravos para depois aprovar leis que abolissem a escravidão, pesamento bonitinho mas utópico, se fossemos esperar essa mudança da sociedade, por quanto tempo mais pessoas seriam tratadas como mercadoria com o respaldo da lei?

 "José de Alencar fez uma pausa. Todos tinham olhos fixos no deputado.
 - Fui um dos primeiros - prosseguiu o escritor - que se inscreveram na cruzada santa que trabalha para extinguir a escravatura, não na lei, mas nos costumes, que são a medula da sociedade. Antes de alforriar, é preciso civilizar o negro para que este possa gozar de sua liberdade como ser independente e racional. Não aceitaremos o retrocesso a esse processo natural que nos quer impingir o Imperador." (página 103, discurso de José de Alencar na votação da Lei do Ventre Livre, deve ser muito fácil mesmo "civilizar" alguém que é submetido a castigos físicos, só que não)

 A segunda reflexão é a respeito dos livros. Pedro considerava os romances de Machado como uma cópia das obras de José de Alencar e igualmente ruins na opinião do personagem. O que me leva a pensar no quão importante foi o fato de Machado de Assis participar da fundação da Academia Brasileira de Letras para que seus livros fossem considerados clássicos atualmente, enquanto alguns outros autores da época não tiveram tanta notoriedade ou caíram no esquecimento (não discordo da importância do autor, é apenas uma divagação). Também fiquei pensando em como o que hoje achamos ruins, futuramente pode se tornar um clássico, assim como aconteceu com os livros que Pedro desprezava.

 "- (...) A verdade é que o Brasil produz bons poetas, mas péssimos romancistas.
 O homem olhou para mim por cima dos óculos. Antes que dissesse algo, o Visconde do Rio Branco o chamou:
 - Doutor José de Alencar, vamos entrar.
 Ele deu de ombros e entrou na sala de Rio Branco.
 Não fiquei nem um pouco constrangido em ter insultado o autor de O Guarani. Ele era considerado o maior romancista brasileiro, mas eu achava seus livros insuportavelmente piegas.
 Eu também queria ser escritor, mas não com a mediocridade de José de Alencar. Pretendia escrever romances que retratassem as pessoas e a sociedade tais quais elas eram. Revelar os sentimentos mais mesquinhos dos personagens. Só precisava de um pouco de tempo ara começar. Com a bagagem de leitura e vivência que adquirir na Europa, tinha certeza de que meu livro sairia muito melhor do que o de Alencar." (página 82)

 "- Pelo menos estou fazendo minha parte para acabar com a escravidão no país. Ao contrário de você que, mesmo sendo descendente de escravos, renega suas origens e não contribui absolutamente em nada para reverter a condição dos negros.
 - Combato a abolição à minha maneira. Talvez você não saiba, mas toda a questão das matrículas de escravos passa pela minha repartição. Já demos parecer pela libertação a muitos cativos que não foram registrados por seus senhores.
 - Isso só foi possível graças à Lei do Ventre Livre. E não me lembro de ter lido em lugar algum seu apoio à Lei.
 - A mesquinhez da escravidão está em meus romances, em meus contos e minhas crônicas. Quem tem o mínimo de perspicácia consegue ver isso. Pelo visto, você não conseguiu enxergar." (página 181)

 "Com os olhos cheios de lágrimas, a criada retornou à cozinha. Ela tinha a pele negra como um carvão. Aquela mulher era de ascendência africana, da mesma forma que seu patrão. Machado de Assis era o bisneto da escravidão vingando a humilhação de seus ascendentes em cima de seus pares pretos." (página 144)

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 A edição tem uma capa que é uma das primeiras a retratar Machado de Assis negro, algumas fotos, páginas amareladas, poucos erros de revisão e diagramação com letras, margens e espaçamento de bom tamanho.

Detalhes: 240 páginas, ISBN-13: 9788595810754, Skoob. Curiosidade: o Jornal Corsário realmente existiu. Clique para comprar na Amazon:


 Fica a minha recomendação para que leiam "O homem que odiava Machado de Assis", uma ótima mistura de realidade e ficção. Depois me contem se passaram a odiar o personagem como Pedro odiava. O livro de José Almeida Júnior tem algo que não sei o nome, uma tristeza, uma melancolia,  talvez seja ritmo ou estilo, mas é algo que  costumo perceber nos clássicos, se alguém souber a palavra apropriada, me conte aí nos comentários.

 Por hoje é só, espero que tenham gostado do post. Já conheciam o livro ou o autor? Já leram os livros ou pesquisaram sobre a vida de Machado de Assis?

Até o próximo post!

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24 comentários

  1. Oi, tudo bem? Esse livro é muito bom, eu o li já faz um tempão, mas ao ler sua resenha deu uma vontade de relê-lo. Amei a resenha, abraço!

    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com

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  2. Oie. Esse lovro foi sensacional para mim. Li alguns livros de Machado de Assis. A obra, ela pega bastante Dom casmurro. Pedro é um tosco, eu queria dar uns tapas na cara dele..
    O livro entro como um dos meus preferidos

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    1. O Pedro também me despertou sentimentos assim em alguns momentos, rsrs.

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  3. Esse realmente é um livro que eu quero ler! Eu vi poucas pessoas falando sobre ele, mas quem falou só falou bem. A premissa do livro é fora do comum, e eu sempre gostei muito do trabalho do Machado, acho que tenho todos os requisitos pra gostar dessa leitura! Amei!

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  4. Oiii Mari

    Eu fiquei fascinada com essa ambientação da época, Portugual, Brasil, acho icnrivel e há poucas obras ainda. Além disso essa mistura de História com ficção me pareceu super interessante, com certeza esse é um livro que eu leria.
    Tb conheço pouco do Macho, infelizmente. Li memórias póstumas e DOm Casmurro na escola, mas não aproveitei o momento, por se rimatura e novinha demais, além disso o ser "obrigada" a ler um livro sempre torna a experiência mais tensa. Quem sabe futuramente eu tente ler algo do autor, pra ver com novos olhos suas obras.

    Beijos, Alice

    www.derepentenoultimolivro.com

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  5. Já li esse livro, mas sua resenha me fez ter uma saudadezinha, sabe? Talvez eu releia ainda este ano. Resenha ótima e as fotos também ficaram muito boas. <3

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  6. Oi, tudo bem? A capa realmente chama atenção por trazer Machado de Assis negro. Principalmente porque lembramos a época em que ele viveu. Já li Dom Casmurro e gosto bastante, aliás é um dos meus favoritos. Mas esse não conhecia. Achei interessante a proposta de transformar o autor em personagem. Um abraço, Érika =^.^=

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  7. Antes de mais nada preciso dizer que achei a capa incrível - não digo pela arte em si, pq não me atraiu - mas pelo fato do Machado de Assis negro <3. Gostei da premissa, sua resenha me prendeu e fiquei curiosa para saber como tudo iria terminar - apesar de imaginar rs. Pretendo dar uma chace futuramente

    Sai da Minha Lente

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  8. Olá confesso que fiquei espantada com o título dessa obra, nunca li nada do autor, mais também não li ainda nenhuma obra de machado, enfim acredito que no momento não seria o tipo de leitura que faria.

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  9. Gostei muito da sua dica. Não conhecia a obra e fiquei realmente curiosa. Inclusive, esse diálogo que você reproduziu no final do texto, como citação da página 181, ocorreu entre quais personagens? Fiquei curiosa com as falas. Obrigada por apresentar a obra, já coloquei na lista de desejados. Abraço :)

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  10. Interessante saber sobre o outro lado de Machado de Assis, como você só dele os livros que me foram pedidos para ler no colégio, portanto, não tenho propriedade para analisar muito. Agora, li espontaneamente vários livros do José de Alencar e os amei.
    Parabéns pela resenha deliciosa de ler.

    Bjo
    Tânia Bueno

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  11. É a primeira resenha que leio dessa obra e nossa, que diferente. Apesar de você ter gostado, eu fiquei pensando em muitas reflexões que você abordou também, por esse motivo não sei se leria.

    Beijos,
    Blog PS Amo Leitura

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  12. Oi Mari!

    Então, confesso que não conhecia o livro e o título não chamou em nada a minha atenção porque sou absolutamente apaixonada por Machado de Assis. Bom, ao ler sua resenha uma coisa que concordo é que o pensamento de José de Alencar sobre mudar primeiro o pensamento social para depois libertar os negros é algo que não daria certo, acho que é um pensamento no melhor dos casos ingênuo e no pior uma maneira muito cretina de justificar logicamente mais anos e anos de escravidão "ahh mas os negros ainda não estão prontos para serem libertos porque a sociedade ainda não está pronto para aceitá-los."

    Sobre o próprio Machado, a relevância dele para a literatura brasileira chega a ser incomensurável e não poderia discordar mais da opinião do personagem já que acredito que todas as obras dele foram, de algum modo, bem inovadoras.

    Beijinhos

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  13. Olá, tudo bem? Assim como você, Machado de Assis é um nome que ouvi muito na minha infância e adolescência, pois era obrigada a ler na escola, no entanto na época lembro de ter gostado de Dom Casmurro (depois nunca mais li hehe). Não conhecia a obra, mas fiquei curiosa com essa mistura da ficção com a realidade, e pelo fato de nos fazer questionar certas coisas. Ótima resenha e fiquei super curiosa com o livro.
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com

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  14. Olá! Tenho lido a respeito desse livro, mas não sei se o leria no momento. Gostei da sua resenha, mas alguns pontos do livro não me agradaram tanto. Em todo o caso, vou ler mais a respeito dele, caso tenha sido apenas má impressão minha.
    bjs
    Lucy - Por essas páginas

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  15. Oi! Eu devo dizer que fiquei com um pouquinho de medo de solicitar esse livro, porque li muito Machado de Assis, e fiquei pensando assim que talvez iriam estragar as boas lembranças que eu tinha dos livros dele, mas parece que além de uma história bacana, meio que tem essa homenagem para um dos nossos maiores escritores! Obrigada pela resenha!

    Bjoxx ~ Aline ~ www.stalker-literaria.com ♥

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  16. Olá, tudo bem?

    Eu achei essa premissa e proposta desse livro bem interessantes, ademais é um livro que quero ler ainda nesse ano. Parabéns pelas fotos e resenha, ficaram incríveis!!
    Abraço!

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  17. Olá,
    Eu realmente li pouca coisa do Machado de Assis, e há muito tempo então não saberia pegar as referências do livro. Porém a história parece ser bem interessante, toda a possível 'conspiração' e todo o plágio parecem ser tão interessante de se acompanhar, e além do mais pelas citações escolhidas não parece ser um livro difícil de se ler. Anotei a dica!

    Debyh
    Eu Insisto

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  18. Tenho muita vontade de ler essa obra, pelo fato da sua grande repercussão e também porque gosto demais de Machado de Assis, tendo lido já quase todas suas obras. Irei tentar ler em breve.

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  19. Oi, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia esse livro, nem o autor, mas confesso que não é uma leitura que me atraia muito. No entanto, achei interessante as reflexões que o livro te trouxe, especialmente em relação aos livros que hoje são considerados ruins e que podem se tornar clássicos. Tem vários exemplos de livros que hoje são aclamados pela crítica e que já foram desmerecidos em sua época. Um exemplo são os livros da Jane Austen, que eram considerados literatura inferior e que hoje são clássicos mundiais.
    Enfim, adorei sua resenha e só vou passar a dica porque não é meu estilo de leitura. Mas fico feliz que tenha gostado do livro.
    Beijos!

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  20. Olá, tudo bem? Eu amei esse livro, achei bem diferente e surpreendente. Confesso que de primeira eu não dei muito pela história, mas fui surpreendida positivamente com a escrita cativante do autor.
    Um beijo.

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  21. Olá, tudo bem?

    Eu oensei que era uma ficção puramente, bom saber que é um misto, na verdade, interessante.

    A edição parece bem bacana e a capa retratando ele negro está incrível. O livro parece muito bacana.

    Beijo.

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