Olá pessoal, tudo bem? O livro da resenha de hoje é "A intrusa", escrito pela Júlia Lopes de Almeida, edição publicada em 2016 pela Pedrazul Editora.
"Fragilidade do coração humano, por que hás de ser agrilhoada por palavras de ferro que se não podem partir?!" (página 83)
Narrada em terceira pessoa, a história se passa no Rio de Janeiro no final do século XIX, e nos apresenta o advogado Argemiro. Ele era casado com a filha única de um barão, mas ela morreu poucos anos após o casamento, e em seu leito de morte, ela (cujo ciúme parecia ser o único defeito) lhe fez prometer que jamais se casaria novamente. Anos depois, Argemiro mantinha uma boa relação com os sogros, até chamava a sogra de mãe, uma forma de aplacar um pouco da dor que ela sentia por ter perdido a filha. Ele tinha outro motivo para continuar visitando a casa dos sogros, mesmo sendo um pouco longe da sua residência: sua filha, Glória, morava lá. A menina era criada pelos avós, pois como Argemiro trabalhava o dia todo, não tinha como cuidar dela.
Mas isso mudou quando ele, cansado de ver Feliciano, o negro que administrava sua casa, vestindo suas roupas e superfaturando as contas, decidiu contratar uma governanta, para que sua filha pudesse ir vistá-lo nos finais de semana. Como seria difícil para ele conviver com outra mulher na casa que estava tão impregnada pelas lembranças de sua falecida esposa, ele estipulou uma cláusula pela qual ele nunca veria pessoalmente sua governanta, ele não queria conhecê-la. A única pessoa que apareceu interessada no anúncio de emprego foi Alice Galba, e foi contratada, e em pouco tempo Argemiro começou a ver as melhorias em sua casa: mesmo com uma funcionária a mais, ele estava gastando menos! A casa estava mais limpa e organizada, além de bonita e alegre, pois sempre havia flores, a comida era melhor, móveis quebrados eram arrumados, e finalmente Feliciano havia parado de usar suas roupas e as contas estavam certas. Argemiro passou a sentir vontade de voltar para casa depois do trabalho, coisa que antes ele não tinha.
E agora ele podia ter a filha em casa nos finais de semana, e até a menina, tão mimada pelos avós, estava melhor, mais comportada, graças a influência de Alice. Glória inclusive estava se interessando pelos estudos, área com que Argemiro se preocupava bastante, pois queria um bom futuro para a menina.
"- Glória casará bem, com um homem que a ame e a respeite. Não faltava mais nada! Minha neta mal casada! Pobre... desprezada... precisando trabalhar para viver... que coisa horrível!
Mas como nem tudo são flores, Feliciano estava incomodado com a perda de espaço, e não era o único a querer ver Alice fora de seu caminho: a sogra detestava a moça mesmo sem conhecê-la, como se a governanta estivesse roubando o lugar de sua falecida filha, mesmo que Argemiro garantisse que não convivia com Alice. Não só a sogra, mas a maioria da sociedade, teimava que havia alguma coisa entre os dois. E Argemiro não gostava dessas insinuações, pois era fiel ao juramento feito à falecida, mas não aceitava abrir mão do trabalho de Alice, que tornava sua vida tão melhor. Antes de Alice, ele "estava mofado, tinha bolor na alma".
"- E minha filha? Você sabe por que eu mantenho uma mulher em casa, não tanto pela boa ordem da minha vida, da casa, mas para poder recebê-la e guardá-la de vez em quando... E depois, sabe o que mais?! Pouco me importo com a opinião dos outros! Deite fora esse charuto. Vou despedir-me lá dentro. Estou enojado." (página 122)
Argemiro seria vencido pela sogra e despediria Alice ou a manteria no emprego? Sua curiosidade falaria mais alto e ele voltaria atrás na sua decisão de não ver a moça que estava mudando a sua vida? E quais as motivações de Alice para aceitar o emprego e continuar nele, mesmo sendo tratada como uma intrusa? Seria ela realmente uma usurpadora como dizia a sogra de Argemiro?
"Sujeita-se a exercer um lugar suspeito, aceitando todas as condições que lhe impõem e revela uma sensibilidade rara em todos os atos em que podemos a apreciar... Será ela na verdade a mulher perigosa, não pelo que calcula e inventa, mas pelo que merece?" (página 159)
"A intrusa" foi um livro que eu fiquei muito feliz ao ter em mãos, pois Júlia Lopes de Almeida o escreveu em 1905! Nas aulas de literatura na escola, todo mundo conhece o nome de vários escritores brasileiros que se tornaram clássicos, mas e de escritoras? Algum nome é mencionado? Não me lembro de nenhum. Mas elas existiram e escreviam naquela época, e Júlia, que viveu entre 1862 e 1934, é um exemplo disso. "A intrusa" é um livro curto e gostoso de se ler; tendo sido escrito há mais de 100 anos, tem sim algumas palavras pouco usadas ultimamente, mas nada que atrapalhe a leitura ou que as notas de rodapé e uma corridinha ao google não solucionem. E ainda há o fato de a autora ter vivido um bom tempo em Portugal, o que torna sua escrita mais próxima do que é falado lá, mas repito que não é uma leitura de difícil compreensão, é mais um exercício de concentração para prestar bastante atenção no que está sendo lido e uma oportunidade para conhecer palavras novas.
Para quem está acostumado a ler romances de época, já tem mais ou menos ideia do pano de fundo que encontrará, com a diferença que o livro de Júlia se passa no Brasil, e foi gostoso demais ver o ensolarado Rio de Janeiro como cenário ao invés da Londres nublada. Há sim o universo dos bailes, das reuniões, das mães casamenteiras, mas também tem as regatas (competições de barcos) levando mutia gente à praia, substituindo os salões de baile como local para flertes. É uma obra interessantíssima do ponto de vista histórico e é muito importante levar em conta a época em que a trama se passa, pois o país vivia há pouco tempo como uma república (proclamada em 1889) e sem a escravidão (abolida em 1888), e Júlia Lopes de Almeida insere essas questões políticas no enredo.
Em "A intrusa", o romance acontece num nível menos de corpo e mais de almas, afinal, como demonstrar amor por alguém que você não vê pessoalmente? É preciso usar dos detalhes, das pequenas coisas. Alice é uma incógnita, sabemos mais dela pelo que pensam os outros personagens, que acabam roubando um pouco o protagonismo, mas sua presença é o que causa o conflito. São vários aspectos que prendem o leitor: a sogra ciumenta; mães casamenteiras perseguindo Argemiro, que era considerado um bom partido; a amizade dele com o Padre Assunção; a curiosidade para saber o que acontecerá com Argemiro e Alice.
Sobre a parte visual: achei a capa linda, gostei da combinação de cores e letras. As páginas são amarelas. As margens, fonte e espaçamento tem um bom tamanho.
"As asas do tempo têm forte envergadura; não cansam de voar, mas levam às vezes consigo penas que se não mudam, embora fiquem disfarçadas entre outras que vão nascendo..." (página 83)
Enfim, "A intrusa é um livro de leitura leve e rápida, que eu super recomendo, para leitores de todas as idades, especialmente para quem se interessa pela vida no Brasil nos séculos passados. Deixo um agradecimento enorme à Pedrazul Editora por ter publicado a trama de Júlia Lopes de Almeida e aproveito para fazer uma pergunta e um pedido: por favor, me digam que vão publicar mais livros dela ou de outras autoras brasileiras de sua época?! Eu ia ficar tão contente! (Achei um artigo que cita algumas escritoras da época, fica a recomendação para que leiam: MULHERES ESCRITORAS NO BRASIL ROMÂNTICO.)
Detalhes: 232 páginas, Skoob, acompanhe a Pedrazul no Facebook. Onde comprar online: loja da editora.
Por hoje é só, espero que tenham gostado da resenha. Me contem: já conheciam o livro ou a autora? Já leram algum livro de uma escritora brasileira do século XIX ou início do século XX?
"Fragilidade do coração humano, por que hás de ser agrilhoada por palavras de ferro que se não podem partir?!" (página 83)
Narrada em terceira pessoa, a história se passa no Rio de Janeiro no final do século XIX, e nos apresenta o advogado Argemiro. Ele era casado com a filha única de um barão, mas ela morreu poucos anos após o casamento, e em seu leito de morte, ela (cujo ciúme parecia ser o único defeito) lhe fez prometer que jamais se casaria novamente. Anos depois, Argemiro mantinha uma boa relação com os sogros, até chamava a sogra de mãe, uma forma de aplacar um pouco da dor que ela sentia por ter perdido a filha. Ele tinha outro motivo para continuar visitando a casa dos sogros, mesmo sendo um pouco longe da sua residência: sua filha, Glória, morava lá. A menina era criada pelos avós, pois como Argemiro trabalhava o dia todo, não tinha como cuidar dela.
Mas isso mudou quando ele, cansado de ver Feliciano, o negro que administrava sua casa, vestindo suas roupas e superfaturando as contas, decidiu contratar uma governanta, para que sua filha pudesse ir vistá-lo nos finais de semana. Como seria difícil para ele conviver com outra mulher na casa que estava tão impregnada pelas lembranças de sua falecida esposa, ele estipulou uma cláusula pela qual ele nunca veria pessoalmente sua governanta, ele não queria conhecê-la. A única pessoa que apareceu interessada no anúncio de emprego foi Alice Galba, e foi contratada, e em pouco tempo Argemiro começou a ver as melhorias em sua casa: mesmo com uma funcionária a mais, ele estava gastando menos! A casa estava mais limpa e organizada, além de bonita e alegre, pois sempre havia flores, a comida era melhor, móveis quebrados eram arrumados, e finalmente Feliciano havia parado de usar suas roupas e as contas estavam certas. Argemiro passou a sentir vontade de voltar para casa depois do trabalho, coisa que antes ele não tinha.
E agora ele podia ter a filha em casa nos finais de semana, e até a menina, tão mimada pelos avós, estava melhor, mais comportada, graças a influência de Alice. Glória inclusive estava se interessando pelos estudos, área com que Argemiro se preocupava bastante, pois queria um bom futuro para a menina.
"- Glória casará bem, com um homem que a ame e a respeite. Não faltava mais nada! Minha neta mal casada! Pobre... desprezada... precisando trabalhar para viver... que coisa horrível!
- O que é horrível, mamãe, não é trabalhar; é não saber trabalhar!" (página 38)
Mas como nem tudo são flores, Feliciano estava incomodado com a perda de espaço, e não era o único a querer ver Alice fora de seu caminho: a sogra detestava a moça mesmo sem conhecê-la, como se a governanta estivesse roubando o lugar de sua falecida filha, mesmo que Argemiro garantisse que não convivia com Alice. Não só a sogra, mas a maioria da sociedade, teimava que havia alguma coisa entre os dois. E Argemiro não gostava dessas insinuações, pois era fiel ao juramento feito à falecida, mas não aceitava abrir mão do trabalho de Alice, que tornava sua vida tão melhor. Antes de Alice, ele "estava mofado, tinha bolor na alma".
"- E minha filha? Você sabe por que eu mantenho uma mulher em casa, não tanto pela boa ordem da minha vida, da casa, mas para poder recebê-la e guardá-la de vez em quando... E depois, sabe o que mais?! Pouco me importo com a opinião dos outros! Deite fora esse charuto. Vou despedir-me lá dentro. Estou enojado." (página 122)
Argemiro seria vencido pela sogra e despediria Alice ou a manteria no emprego? Sua curiosidade falaria mais alto e ele voltaria atrás na sua decisão de não ver a moça que estava mudando a sua vida? E quais as motivações de Alice para aceitar o emprego e continuar nele, mesmo sendo tratada como uma intrusa? Seria ela realmente uma usurpadora como dizia a sogra de Argemiro?
"Sujeita-se a exercer um lugar suspeito, aceitando todas as condições que lhe impõem e revela uma sensibilidade rara em todos os atos em que podemos a apreciar... Será ela na verdade a mulher perigosa, não pelo que calcula e inventa, mas pelo que merece?" (página 159)
Para quem está acostumado a ler romances de época, já tem mais ou menos ideia do pano de fundo que encontrará, com a diferença que o livro de Júlia se passa no Brasil, e foi gostoso demais ver o ensolarado Rio de Janeiro como cenário ao invés da Londres nublada. Há sim o universo dos bailes, das reuniões, das mães casamenteiras, mas também tem as regatas (competições de barcos) levando mutia gente à praia, substituindo os salões de baile como local para flertes. É uma obra interessantíssima do ponto de vista histórico e é muito importante levar em conta a época em que a trama se passa, pois o país vivia há pouco tempo como uma república (proclamada em 1889) e sem a escravidão (abolida em 1888), e Júlia Lopes de Almeida insere essas questões políticas no enredo.
Em "A intrusa", o romance acontece num nível menos de corpo e mais de almas, afinal, como demonstrar amor por alguém que você não vê pessoalmente? É preciso usar dos detalhes, das pequenas coisas. Alice é uma incógnita, sabemos mais dela pelo que pensam os outros personagens, que acabam roubando um pouco o protagonismo, mas sua presença é o que causa o conflito. São vários aspectos que prendem o leitor: a sogra ciumenta; mães casamenteiras perseguindo Argemiro, que era considerado um bom partido; a amizade dele com o Padre Assunção; a curiosidade para saber o que acontecerá com Argemiro e Alice.
Saiba mais sobre a autora |
"As asas do tempo têm forte envergadura; não cansam de voar, mas levam às vezes consigo penas que se não mudam, embora fiquem disfarçadas entre outras que vão nascendo..." (página 83)
Enfim, "A intrusa é um livro de leitura leve e rápida, que eu super recomendo, para leitores de todas as idades, especialmente para quem se interessa pela vida no Brasil nos séculos passados. Deixo um agradecimento enorme à Pedrazul Editora por ter publicado a trama de Júlia Lopes de Almeida e aproveito para fazer uma pergunta e um pedido: por favor, me digam que vão publicar mais livros dela ou de outras autoras brasileiras de sua época?! Eu ia ficar tão contente! (Achei um artigo que cita algumas escritoras da época, fica a recomendação para que leiam: MULHERES ESCRITORAS NO BRASIL ROMÂNTICO.)
Detalhes: 232 páginas, Skoob, acompanhe a Pedrazul no Facebook. Onde comprar online: loja da editora.
Por hoje é só, espero que tenham gostado da resenha. Me contem: já conheciam o livro ou a autora? Já leram algum livro de uma escritora brasileira do século XIX ou início do século XX?
Olá!
ResponderExcluirNão conhecia a obra, mas me interessei bastante.
Adoro romances de época e por se passar no Brasil, me deixa com ainda mais vontade de ler.
Fiquei curiosa para saber qual será o final da história de Argemiro.
Beijos.
Li
Literalizando Sonhos
Olá.
ResponderExcluirNão conhecia o livro, nem a autora. Achei a capa e a diagramação muito bonitas.
Mas pelas frases, não iria conseguir ler, acho esse estilo de escrita muito cansativo e massante pra mim.
Abraço.
poxa, fiquei super interessada... não curto romances de época [esses atuais], mas quanto aos clássicos não faço cara feia...sem contar pela época em que foi escrito... a capa é lindíssima e eu fiquei curiosa com Alice... quem será ela? e se o dono da casa vai mantê-la por lá ou o que vai ocorrer no desfecho da história... sugestão anotada :D
ResponderExcluirbjs ^^
Oii,
ResponderExcluirGostei da premissa do livro, e fiquei bem interessada em ler. Ainda mais agora que estou nesse momento de gostar de romances de época. Mas estou realmente curiosa como Argemiro vai decidir o que fazer com Alice. Parabéns pela resenha.
beijos
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirPrimeiramente, a capa e o gênero já me chamam a atenção. Além disso, tem vários livros da Pedrazul que quero ler, quem sabe começo por esse? *.* Fiquei bem curiosa e feliz quando vi quando foi uma mulher que escreveu a obra em 1905! Uau! Mas, confesso que tenho um pouco de medo de ver como os negros eram retratados.
Beijos <3
Romance de época que se passa no Brasil, e escrito por uma mulher há 100 anos, é claro que já me interessou.
ResponderExcluirRealmente não conhecia essa autora, e essa dica é muito preciosa. Anotei e vou ler.
Beijos.
Leituras da Paty
Olá, parabéns pela resenha...adorei a capa dese livro, linda 💜
ResponderExcluirAbraços
Oie Mari!
ResponderExcluirNão conhecia o livro, mas li a sua resenha assim O_O com os olhos arregalados de tão boa que parece ser essa história e ainda saber que foi escrita em 1905 O___O GENTE!!! A história deve ser linda, mesmo... Já vou anotar aqui para procurar por ela quando eu tiver um pouco mais de dim dim!! Parabéns a Editora Pedrazul pela publicação LINDA!!
Beijos!!
A história é deliciosa, nem um pouco maçante, como alguns parecem crer. Li o livro em uma tarde, presa pela escrita leve, pelos diálogos vivos, pela curiosidade do linguajar arcaico. E aflita para ver o final, que surge de forma abrupta e resumida. Poderia ter sido mais detalhado. Mas até Elizabeth Gaskell em Norte e Sul (Margaret Hale) comete esse pecado.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário ♥.
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